Comentando a importância dos vários aspectos da legislação brasileira sobre recursos hídricos, Thame (2003) defende que, na política de gestão das águas, os Comitês de Bacia devem ser prestigiados. O argumento aqui é que a proteção das águas caminhe lado a lado com o desenvolvimento econômico, evitando danos para a população e gerações futuras.
Nessa mesma linha, Pereira (2003) acrescenta que as atribuições dos Comitês não devem ser confundidas com as atribuições e as responsabilidades, constitucionalmente definidas, do setor público. A atuação dos Comitês deve primar pela clareza, pela transparência e pela explicitação de propósitos amparados pelo conhecimento técnico sobre o tema.
Cabe ressaltar que um dos grandes desafios para os Comitês é a administração de conflitos e redução de divergências entre as partes interessadas no uso da água. A tarefa é difícil, pois os interesses ora são individuais ora são corporativos.
O Comitê é ente sem personalidade jurídica e integrante da administração pública. Traduz-se no foro onde são tomadas as principais decisões políticas sobre a utilização das águas na bacia Em função disso é denominado de “parlamento das águas”. Outro componente do Sistema, a Agência de Bacia Hidrográfica, tem personalidade jurídica e é o, “braço executivo do Comitê”, a quem é reservado o papel de implementar as decisões do Comitê.
O fortalecimento de espaços públicos, tais como os Comitês de Bacia Hidrográfica, assume importância estratégica na construção do desenvolvimento sustentável. Considerando a pluralidade de visões e interesses que caracterizam as sociedades modernas, a viabilização dos Comitês, considerando a consertação política, representa grande desafio, seja para a sociedade civil, seja para o Estado ou para o setor privado.
De acordo com Garjulli (2001), no contexto da Política de Recursos Hídricos, um dos maiores desafios é concretizar, por meio dos Comitês de Bacia e demais organismos colegiados, a gestão participativa da água.
Essa nova configuração contrapõe-se às práticas historicamente estabelecidas, tais como: construção de obras hídricas sem o seu devido gerenciamento, decisões governamentais tomadas de forma centralizada, desinteresse e ausência de iniciativas dos usuários e da sociedade na busca de alternativas para a gestão sustentável dos recursos hídricos.
A mudança de procedimentos e práticas no sistema de gestão de recursos hídricos ainda tem um longo caminho a ser percorrido. É importante observar que os canais viabilizados por esse novo sistema, por mais significativos que sejam no processo de uma maior participação popular, devem ser conduzidos de maneira a expressar os anseios das comunidades interessadas na gestão das águas.
Mesmo após décadas da promulgação da Lei Nacional das Águas, Lei nº 9.433/97, são poucos, ainda, os sistemas de gestão operacionalizados em sua plenitude. Os ritmos de implantação dos novos sistemas de gestão são fortemente diferenciados no cenário nacional. De modo geral, são bastante lentos e descontínuos, especialmente, no âmbito dos estados da federação.
Os Sistemas Estaduais de gestão dos recursos hídricos têm avançado e o modelo preconizado na legislação brasileira, sistêmico de integração participativa é bastante complexo por envolver todos os interessados no recurso e utilizar instrumentos inovadores.
Um desses instrumentos é a participação da sociedade por intermédio de grupos e organizações que representam a sociedade civil, os poderes públicos e os usuários da água. Mesmo a passos lentos, a gestão das águas nos Estados, trata-se de um processo que caminha na direção da democracia e da sustentabilidade.
Esse processo tem forte cunho educacional, ou seja, de educação para o exercício da cidadania e da participação política. Em relação à participação social na administração dos recursos hídricos, envolve, essencialmente, o princípio democrático, como também a necessária sensibilização para a construção de uma nova forma de encarar um bem público, por natureza, dispendioso e escasso.
Assim, pressupõe-se que as decisões a serem tomadas pela administração pública reflitam as aspirações das comunidades locais. Para uma participação mais efetiva das comunidades locais, é fundamental a mobilização social, o entendimento da importância da representação dos Comitês e a estruturação de arranjos cooperativos entre os municípios da área de abrangência das bacias hidrográficas, como forma de fortalecer os próprios Comitês.
A implementação da gestão de recursos hídricos é um processo complexo que requer lideranças fortes e democráticas tanto no âmbito dos Comitês, como no âmbito do Estado. A viabilização de meios que possibilitem uma relação harmônica com a sociedade civil tem gerado um discurso hegemônico sobre a modernização do Estado.
Uma das formas para colocar em prática a gestão pública colegiada é adotar uma postura orientada pela lógica sócio-técnica. Esse modelo visa ajustar o interesse público e social por meio do levantamento das aspirações da população que habita o território no qual os recursos comuns serão geridos ou manejados, bem como de diagnósticos técnico-científico da demanda e disponibilidade hídrica.
No sentido de viabilizar a disponibilização de informações sobre o gerenciamento de recursos hídricos é importante a existência de uma estrutura organizacional bem definida, que incorpore sistemas de financiamento e instrumentos adequados de gerência e controle.
Para que isso funcione de forma harmônica, é necessário que as informações sobre os cenários das águas (demanda e disponibilidade) sejam disponibilizadas e que haja uma compreensão efetiva da legislação por parte dos envolvidos na gestão do bem público.
Quanto à eficiência da política pública de gestão de recursos hídricos, percebe-se que que inda há distância entre o conteúdo da legislação e o seu exercício prático no âmbito da administração pública. Os efeitos da lei somente gerarão resultados no longo prazo e demandarão mudanças substantivas de ordem cultural e gerencial.
Na perspectiva cultural, essas mudanças passam pelo combate ao clientelismo, à tutela e ao individualismo na administração pública. A perspectiva gerencial remete aos novos arranjos organizacionais, que propiciem a participação da população na gestão do bem público. Nesse ponto, a teoria de governança pode oferecer subsídios para essa discussão.
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