sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Uma discussão sobre Educação Integral no Brasil


A discussão sobre a pertinência da Educação Integral no Brasil é relativamente nova. A primeira experiência de construção de uma escola pública elementar de ensino integral remonta à década de 1950, quando o eminente educador e político Anísio Teixeira implantou, nos arredores de Salvador na Bahia, o projeto da Escola-Parque. Anísio Teixeira foi um dos precursores dos ideais e da pedagogia da “escola nova” no Brasil, juntamente com renomados educadores como Fernando Azevedo e outros, que iniciaram a luta pela escola pública e foram signatários do célebre manifesto de 1932, um marco do movimento educacional, que buscava afirmar a escola pública laica, universal e democrática no país, no início do século XX.
O modelo escolanovista, do qual o educador e filósofo John Dewey foi um dos principais formuladores, compreendia a educação e o aprendizado, sobretudo, como uma experiência concreta. Essa concepção-experimento, do “aprender fazendo” de Dewey encontrava-se na gênese e no cotidiano de estudantes e professores da Escola-Parque. A ênfase do projeto, além de garantir as disciplinas comuns do currículo estabelecido na época, priorizava várias atividades extraclasses como laboratórios, horticultura e outras que incentivavam a observação e a experiência dos estudantes como estratégia para apreender o conhecimento e desvendar a realidade.
A segunda iniciativa de construção de um projeto de escola integral no Brasil ocorreu no início dos anos de 1960, quando foram implantados no Estado de São Paulo os Ginásios Vocacionais para atendimento aos estudantes do antigo curso ginasial na faixa etária dos 11 aos 14 anos, o qual seguia o mesmo modelo anterior, onde buscava conciliar as aulas teóricas com a prática concreta.
A terceira proposta de escola integral que originou os Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs, foi implantada no Rio de Janeiro, em meados da década de 1980, passados 20 anos do fechamento dos Ginásios Vocacionais paulistas. Estes também foram norteados pelos ideais e princípios da escola nova.
Nos tempos atuais a política educacional brasileira conta com um programa e uma agenda de Educação Integral. A Portaria Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007, instituiu o Programa Mais Educação com parceria formal dos Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à fome, da Cultura, do Esporte e o da Educação. O Programa Dinheiro Direto na Escola, com o financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (PDDE/FNDE), operacionalizou o funcionamento de suas ações desde 2008, desencadeando o processo de adesão das escolas e Redes de Ensino.
O Decreto 7.083/2010 regulamentou essa estratégia para indução a ampliação do tempo diário de permanência de estudantes na escola e em atividades educativas coordenadas pela Instituição de Ensino. A Educação Integral está amparada pela Constituição Federal do Brasil de 1988, nos artigos 32 e 34 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9.394/96, na Lei Federal nº. 11.788 de 25 de setembro/2008, e tem como objetivo oferecer ensino em tempo integral nas unidades escolares da rede pública e garantir a permanência dos estudantes na escola com a adoção de um currículo integrado, bem como a qualidade na educação com base no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, de 13 de julho de 1990, em seu Capítulo IV, artigo 53, reforça a obrigatoriedade do acesso e permanência na escola.
O Programa Mais Educação já é uma realidade que, como tudo que se faz em educação, será progressivamente aprimorada com a participação de educadores, estudantes, artistas, atletas, equipes de saúde e da área ambiental, cientistas, gestores das áreas sociais, enfim, com todos aqueles que, pessoal e profissionalmente, dedicam-se à tarefa de garantir os direitos de nossas crianças, adolescentes e jovens.
A Educação Integral exige mais do que compromissos: impõe também e, principalmente, projeto pedagógico, formação de seus agentes, infraestrutura e meios para sua implantação. Ela será o resultado dessas condições de partida e daquilo que for criado e construído em cada escola, em cada rede de ensino, com a participação dos educadores, educandos e das comunidades, que podem, e devem contribuir para ampliar os tempos e os espaços de formação de nossas crianças, adolescentes e jovens na perspectiva de que o acesso à educação pública seja complementado pelos processos de permanência e aprendizagem.
A Educação Integral, como formação do ser humano, agrega-se à ideia filosófica de homem integral, realçando a necessidade de desenvolvimento integrado de suas faculdades cognitiva, afetivas, corporais e espirituais, resgatando, como tarefa prioritária da educação, a formação do homem, em todas as suas dimensões bio-psicossocial-culturais. Nessa perspectiva a educação visaria à formação e o desenvolvimento global e não apenas o acúmulo informacional. A educação deve responder a uma multiplicidade de exigências do próprio indivíduo e do contexto em que ele vive.

A ideia da formação integral do homem como ser multidimensional exige uma composição de estratégias e alternativas políticas e pedagógicas para repensarmos o modo de funcionamento das instituições educativas, com o objetivo de colocá-las a favor da lógica da inclusão e da formação integral das crianças e adolescentes.
Entende, ainda que, a Educação Integral remete a um campo de responsabilidades compartilhadas, que pressupõe trocas e a busca constante de parcerias, comprometidas, direta ou indiretamente, com a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Concebe os vários espaços como potencializadores do aprender e ensinar e que as ações, por meio da Educação Integral, podem e devem fortalecer as políticas públicas, respeitando e cumprindo a legislação vigente, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que reforça a obrigatoriedade do acesso e permanência na escola, como instrumento estratégico, garantindo o desenvolvimento integral de criança, adolescente e jovem.
Enfim, o objetivo mesmo é promover a melhoria qualitativa e quantitativa da oferta educacional escolarizada, com a ampliação da jornada escolar, visando o acesso, a permanência, a socialização e o êxito dos estudantes na escola pública brasileira, garantindo à infância e à adolescência, direitos fundamentais da aprendizagem em seu desenvolvimento integral, com vistas ao preparo para o exercício da cidadania e a formação de um cidadão em sua totalidade.

Noção de ética


A palavra ética nos remete a pensar em norma, liberdade e responsabilidade. No entanto, não tem sentido falar de norma ou de responsabilidade se não partimos do princípio de que o ser humano é livre para agir, e com isso também se torna capaz de obedecer ou desobedecer às normas. Neste sentido, ética é considerada a parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano em qualquer tecido social.
A ética de Kant foi considerada, durante muito tempo, como expoente da ética iluminista. Fiel aos seus princípios, acreditava no poder da razão e na eficácia da reforma das instituições. Para ele, a capacidade que o homem tem de diferenciar o certo do errado é inata, ou seja, já nasce com ele. Sendo assim, a moral humana independe da experiência, uma vez que já nascemos com ela e vale para todas as pessoas em qualquer tempo e lugar.
O homem está constantemente a ser colocado à prova no sentido de ter que fazer escolhas entre as suas inclinações e o cumprimento do dever, e dessa forma, a obediência à lei impõe-se acima de todas as coisas, ou seja, o dever obriga ao cumprimento da Lei Moral. No entanto, é imperioso a não limitação da Ética ao conjunto de regras ou valores, nem apenas tão somente ao estudo do comportamento humano, como ensina Korte (apud Bittar, 2002):

A ética é um campo de conhecimento em que, à medida que avançamos, são feitas descrições, constatações, hipóteses, indagações e comprovações [...] estudando as relações entre o indivíduo e o contexto em que está situado. Ou seja, entre o que é individualizado e o mundo a sua volta.


Verifica-se na concepção de Korte (apud Bittar, 2002), que não se deve colocar a ética apenas no plano abstrato das concepções, no campo teórico dos discurso, e sim utilizá-la como forma de fortalecimento da moral, que deverá inspirar as condutas humanas voltadas para o cumprimento do dever e à prática do bem. Percebe-se ainda, que a ética é um condutor das questões humanas e que por si implica na capacidade de julgar e tomar de decisões. Sobre o cumprimento do dever, KANT (1974, p. 208), menciona:

Uma ação praticada por dever tem seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina: não depende, portanto da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação, abstraindo de todos os objetos da faculdade de desejar, foi praticada […] dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei […] ora, se uma ação realizada por dever deve eliminar totalmente a influência da inclinação e com ela todo o objeto da vontade nada mais resta à vontade do que a possa determinar do que a lei objetivamente e subjetivamente.

Para Kant, a ação somente se dará por certa se for realizada mediante o reconhecimento do cumprimento do seu dever, e o cumprimento do dever, significa agir de acordo com certas normas ou leis morais criadas pela sociedade de convívio, chamadas de imperativos. A ética Kantiana, na verdade, constitui-se na defesa dos seres humanos enquanto seres que devem ser tratados como fins em si mesmo e não como meios aos fins.

Educação como caminho para a autonomia


O pensamento Kantiano sempre procurou mostrar a pedagogia através do prisma filosófico e não apenas pelo caráter prático e metodológico, como muitos pensadores o fazem. Sabendo pois, que o sujeito não nasce um ser moral e sendo través da educação que o mesmo se torna moral é possível perceber a pedagogia como objeto filosófico. Nesta perspectiva o objetivo principal da educação, na visão de Kant e despertar a critica e a autonomia do ser humano, ou seja, levá-lo a pensar (KANT, 2006, p. 27).
A doutrina da educação, ou pedagogia se divide em física e prática. A educação física é aquela que o homem tem em comum com os animais, ou seja, os cuidados com a vida corporal. A educação prática ou moral, no entanto, é aquela que diz respeito à construção cultural do homem, para que possa viver como um ser livre. Para este pensador a educação consiste em três aspectos: na cultura escolástica, ou mecânica, a qual diz respeito à habilidade, que tem um aspecto puramente didático, na formação pragmática, a qual se refere à prudência e por fim, na cultura moral, tendo em vista a moralidade.
A educação se torna, um meio de ligação entre a natureza e a moral e, dessa forma têm-se a pedagogia como o caminho que suscita grande relevância para a obtenção da autonomia do indivíduo, como bem destaca CAMBI (1999), ao analisar a obra “Sobre a pedagogia” de Kant:

trata-se na verdade de um texto certamente menor mas que, se relacionado com as pesquisas de Kant sobra a moral, […] permite ler com clareza o perfil do pensamento pedagógico kantiano e fixar com precisão tanto seus vínculos com alguns pedagogos contemporâneos como as contribuições mais estritamente originais, além do decisivo destaque histórico, já que a posição kantiana terá uma influência não-marginal na histórica das teorias pedagógicas (CAMBI, 1999, p. 361).


Na análise de Höffe (2005, p. 187), a obra Kantiana é uma interpretação do processo educacional como uma espécie de ponte entre natureza e moral, entre o caráter empírico e o caráter inteligível do homem. Isso fica claro na própria afirmação do autor que diz: “o homem é a única criatura que precisa ser educada” (2006, p. 11). Nessa distinção do ser humano fica claro o pensamento de que ao homem é dado a razão e que precisa ser educado, uma vez que este não nasce dotado de todo os valores necessário para o convívio em sociedade, como bem afirma PINHEIRO (2007):

a razão cumpre a tarefa de diferenciar o homem dos outros seres; entretanto, ela não vem acabada, pronta. É necessário um longo caminho para que a razão possa cumprir a totalidade de sua tarefa. Por isso, a educação ocupa um espaço tão importante em toda a filosofia de Kant, já que o mais importante fator diferencial do homem, a razão, necessita de um processo educacional para o seu desenvolvimento (PINHEIRO, 2007, p. 33).


Tando na visão de Cambi (1999), como para Pinheiro (2007), Kant, percebe no processo pedagógico a maneira de tirá o homem do estado animal para o estado humano. Asim, a educação tem como objetivo guiar o ser humano pela razão. E mais do que a simples formas de guiar pela razão, levá-lo ao caminho da autonomia, ou dotar-se de capacidade para se autodeterminar, segundo uma legislação moral estabelecida na sociedade de convívio.
A partir do entendimento que educação se refere ao cuidado, a disciplina e a instrução com a formação, Kant se refere ao homem como a única criatura que precisa ser educada. E assim sendo, só poderá se tornar um verdadeiro homem pela educação, uma vez que este, é aquilo que a educação dele faz.