sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O transporte escolar fluvial na Amazônia

Constituído como um direito dos estudantes que estudam longe das suas residências, o transporte escolar é de responsabilidade dos Estados e Municípios podendo ser realizado por veículos próprios ou alugados ou por meio de passes escolares fornecidos aos alunos (INEP, 2005, p. 7).

O transporte escolar corresponde ao serviço ofertado aos alunos da rede pública de ensino, para deslocamento entre o seu local de residência e a escola na qual estuda, permitindo o acesso à educação e a frequência escolar (Lopes et al, 2008, p.74).

A Constituição Federal de 1988 assegura ao aluno da escola pública o direito ao transporte escolar, como forma de facilitar seu acesso à educação. O art. 206, inciso I, garante que haverá igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, complementado pelo artigo 208, inciso VII, que garante o atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei n° 9.394/1996) ratifica as obrigações estatais expressas na Constituição, trazendo garantias a serem prestadas pelo Estado por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art.4°).

Para garantir o transporte escolar gratuito aos alunos da rede pública de ensino, a Lei 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação incumbiu aos Estados e Municípios a responsabilidade do transporte escolar aos alunos de sua rede de ensino, sendo permitida e facultada a parceria e cooperação entre estes.

O transporte escolar rural é o serviço destinado ao deslocamento de estudantes, que residem e/ou estudam na área rural, entre sua residência e uma instituição educacional, em horários previamente estabelecidos (CEFTRU, 2007).

Nesta pesquisa, consideraremos transporte escolar como aquele oferecido pelo poder público, gratuitamente, em veículos exclusivos destinados para o transporte de alunos residentes em áreas rurais. Neste conceito, o transporte é um meio necessário para que o aluno tenha acesso à escola, além de ser um direito garantido por lei, definindo-se o público-alvo como a população residente em área rural em idade escolar.

Muitas escolas estão localizadas na área rural e o transporte escolar fornecido pelo Poder Público representa a única forma que a maioria dos alunos dispõe para chegar à escola e retornar às suas casas (Egami et al, 2006, p.1). Alienar a oferta desse serviço corresponde a uma discriminação de uma população em relação à outra, pois o transporte é o único meio para dar oportunidades de educação equivalentes às que são oferecidas à população urbana (GEIPOT,1999).

Ademais sua utilização é fundamental para facilitar o acesso e a permanência dos estudantes nas escolas, contribuindo para o desenvolvimento da educação nacional, pois, além de melhorar a frequência escolar, faz com que eles permaneçam no campo, sendo um dos direitos mais relevantes do aluno da zona rural. Conforme Feijó (2006, p.2), o transporte escolar é obrigação do Estado e garantia de acesso e permanência do aluno na escola.

A Lei nº 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente é outro instrumento importante, assegurando como dever do poder público o direito à educação da criança e do adolescente no âmbito dos princípios da prioridade absoluta, já presentes na Constituição Brasileira de 1988 (Art. 227), por meio dos quais a criança e o adolescente são vistos como sujeitos de direitos.

Segundo Pegoretti (2005, p.14), devido às condições de isolamento geográfico, de pouca oferta de serviço de transportes e até por condições sociais e econômicas, os alunos residentes em áreas rurais encontram limitações para acesso às escolas.

O fornecimento de transporte escolar publico aos estudantes residentes nas áreas rurais permitiu o deslocamento a distâncias que não seriam possíveis de serem realizadas a pé, possibilitando o aumento do acesso e da permanência na escola.

Por sua peculiaridade, na região amazônica, uma parcela significativa dos estudantes é transportada por via fluvial. Neste contexto, em muitos casos o isolamento geográfico das comunidades é muito maior, fazendo com que o estudante permaneça por longo tempo nas embarcações até chegar a escola mais próxima da sua residência, sendo o transporte escolar a sua única opção.

Amazônia ribeirinha e a nucleação escolar

 

A nucleação escolar que vem sendo materializada pelos gestores governamentais ainda faz parte do ajuste das políticas educacionais iniciada com a reforma do Estado na década de 1990. Tinha como uma de suas principais finalidades incorporar o país a nova ordem econômica mundial e estava assentada em algumas premissas como a modernização, racionalização e privatização (SHIROMA, 2000; SOARES, 2000; DOURADO, 2001; PERONI, 2003).

Nesta perspectiva, segundo Dourado (2001, p. 49) o mercado assume o papel de “[...] portador da racionalização sociopolítica conservadora, configurando-se pela minimização do papel do Estado no tocante às políticas públicas”. Este princípio atribuiu novas responsabilidades aos entes federados no gerenciamento das políticas educacionais, principalmente a partir da municipalização do ensino.

A municipalização, na prática, representou a transferência de responsabilidade da gestão das políticas educacionais da união aos estados e municípios, porém, a união continuou centralizando a formulação, assim como a distribuição dos recursos à educação. No entanto, um dos grandes desafios dos governos era a superação dos déficits educacionais, principalmente o analfabetismo, que de acordo com Shiroma (2000) a taxa no Brasil no período entre 1980/1996 chegava a 25,4%.

Estes dados quando reportados as populações residentes na zona rural eram mais alarmantes ainda, no ano de 2000 a taxa nacional de analfabetismo entre as populações de 15 anos ou mais por domicílio, representava 29,8%, entre as regiões. O Norte e o Nordeste despontavam com as maiores taxas 29,9% e 42,7%, respectivamente (HENRIQUES et all, 2007, p. 19).

Estes resultados eram decorrentes de uma série de adversidade que marcaram a história da educação ofertada às populações rurais no Brasil, como, o atendimento educacional tardio, falta de qualificação dos professores que refletia na má qualidade do ensino. Entretanto, um dos grandes problemas atribuídos à educação do campo para os gestores municipais foram e tem sido as classes multisseriadas, pois recaem sobre elas os piores indicadores educacionais além de funcionarem em condições precárias.

De acordo com Moraes et all (2010, p. 405) “[...] as mazelas que envolvem a realidade das escolas multisseriadas são muito antigas e profundas”. Neste contexto, é que surge a política da nucleação, como uma das principais estratégias das secretarias municipais de eliminarem as classes multisseriadas. De acordo com o INEP/MEC (BRASIL, 2006, p. 116) a nucleação é “um procedimento político-administrativo que consiste na reunião de várias escolas em uma só, desativando ou demolindo as demais.”

Seguindo esta lógica, Carmo (2010, p. 161) destaca que “A nucleação consiste em construir uma escola de grande porte em um determinado espaço geográfico, de forma que fique centralizada e as demais do entorno seriam deslocadas para esta”.

Este processo tem gerado certos antagonismos, se por um lado, os governos vêem como a possibilidade da eliminação das classes multisseriadas formadas por turmas unidocentes que atendem em um mesmo espaço várias séries/anos, funcionando em escolas sem estruturas adequadas e com professores sem atendimento, projeto pedagógico e metodologias adequadas, por outro, fere o direito à educação dos sujeitos, uma vez que a nucleação tem significado a dizimação de muitas comunidades tradicionais nas áreas rurais.

Também, é necessário questionar se em função do discurso da qualidade da educação nas escolas rurais os gestores municipais não estão utilizando a política da nucleação para proverem a racionalização dos recursos investidos na educação.

Imprescindível também considera que a nucleação neste espaço é bastante complexo pelas circunstâncias geográficas que caracteriza a região, formada por ilhas, rios e igarapés, assim como a peculiar densidade geográfica de habitantes por quilômetros quadrados. São alguns dos fatores que gera preocupação quanto ao deslocamento dos alunos de suas comunidades para as escolas núcleos, pelo tempo de viagem de barco que percorrem cotidianamente para chegarem à escola.

Os habitantes dessas regiões tem uma relação intrínseca com a natureza. Os ribeirinhos têm nas matas e nas águas toda simbologia expressa na sua cultura, diante de um espaço único, crítico e variadas interpretações. A relação homem e natureza iluminam e refletem a cultura desse povo. Para Paes Loureiro (1995):

Trata-se de um mundo de pescadores, indígenas, extratores consumidos em largas e pacientes jornadas de trabalho; de uma geografia de léguas de solidão e dispersão entre as casas e pequenas cidades, de um viver contemplativo onde predominam a linguagem e a expressão devaneantes, como se seus habitantes caminhassem entre o eterno e o cotidiano.


Nesse contexto da relação com o espaço vale considerar que as práticas culturais são um importante componente para a produção das espacialidades. São elas que mediam a relação do homem com a natureza e ajudam a construir o mundo (CLAVAL, 2007). E é por ela que os vínculos territoriais são estabelecidos, “Há assim uma herança cultural que permeia a relação com o território” (ALMEIDA, 2008). A tradução da cultura para o espaço passa pelo território (BONNEMAISON, 2002).



O processo de nucleação escolar no espaço ribeirinho da Amazônia

Aprofundar estudos e vivencias no espaço ribeirinha da Amazônia brasileira torna-se relevante para o entendimento com clareza quanto a compreensão não só dos pressupostos teóricos que têm conduzido os gestores governamentais a primarem pela política de nucleação escolar, mas sobre tudo quanto aos impactos ocasionados no espaço geográfico das comunidades.

Arquitetura e paisagem ribeirinha na Amazônia (https://www.archdaily.com.br/br/781240/arquitetura-e-paisagem-ribeirinha-na-amazonia).

Trata-se de uma temática carente de reflexão sobre os marcos legais, da percepção dos moradores sobre esse processo frente aos desafios que enfrentam para que os seus filhos consigam ter acesso a essa nova forma de atendimento educacional.

A importância de estudos educacionais nessa região se dará na medida em que consideramos os aspectos geográficos que configuram a região a serem refletidos na organização das escolas localizadas ao longo dos rios, ou seja, a nucleação escolar remete as comunidades tradicionais ribeirinhas ao vislumbre de uma nova organização social das populações na Amazônia, a partir dessa nova localização geográfica das escolas transformadas agora, em polos ou núcleos.

Para isso é imprescindível uma reflexão mais crítica a cerca da materialização dessas novas políticas educacionais para a região rural amazônica, principalmente para os ribeirinhos, uma vez que são sujeitos dotados direitos e deveres, como qualquer cidadão e assim a luz das legislações merecem uma educação com qualidade no lugar onde vivem.

Da mesma forma é preciso compreender se este processo tem se configurado como uma política de ampliação de acesso e permanência dos alunos a escola, melhoria na organização do trabalho pedagógico e dos indicadores educacionais. Para Vasconcelos (1993), esta é uma discussão que deve está presente em todas as escolas, considerando as especificidades de cada região.

Nesta perspectiva, outros questionamentos surgem em função do processo de nucleação das escolas rurais ribeirinhas, entre eles: quais os pressupostos que têm norteado a nucleação no município de Porto Velho? Qual a (re) configuração que a nucleação das escolas ribeirinhas tem provocado no espaço rural? A nucleação segue as orientações da resolução nº 02/2008 do Conselho Nacional de Educação? Qual a relação entre a política do transporte escolar e a nucleação?

O espaço ribeirinho de Porto Velho, na Amazônia

 

Steven J. Rainey e Maura C. Araújo Rainey (2016). <https://journals.openedition.org/confins/11621?lang=pt>

As áreas rurais são espaços geográficos diferenciados e definidos sobremaneira, pela forma de uso social do espaço, da densidade demográfica, da organização econômica e das tradições culturais. Rodrigues (2014, p. 433), ao propor uma nova metodologia para a definição de espaço rural e urbano, critica as concepções clássicas que estabelecem: "[...] a definição de rural está sempre subsidiada pela definição de urbano, sendo, na maioria das vezes, o rural classificado como o que está fora do urbano".

É justamente baseada nessa concepção clássica de rural e urbano que se pensam as políticas públicas brasileiras. Por isso, destina-se ao espaço rural o mesmo que se destina ao urbano. Projeta-se o modo de vida urbano no espaço rural. Apresentada a definição de educação urbana, ela é estendida à rural. O espaço rural nunca foi constituído por ele mesmo, e sim em oposição ao urbano.

Neste sentido é salutar conceber que o espaço rural representa a possibilidade de vida de milhões de brasileiros, e destes evidencia-se a transformação desses espaços em consequência de politicas mal elaboradas ou mesmo a ausência destas, que impacta diretamente, e sem precedentes as comunidades tradicionais da área ribeirinha, do baixo Rio Madeira, no município de Porto Velho (RO), na Amazônia brasileira.

Necessário de faz e urgente constituir uma análise critica sobre as percepções de quem de fato vivencia o cotidiano das pessoas que vivem nessa região para que a partir dos resultados construir e por em pratica novas politicas publicas que visem a transformações real nesses espaços de muitos saberes tradicionais que não não podem ser apagados ou negligenciados por falta de conhecimento e desprezo de quem detém o poder e a obrigação de cuidar dessas pessoas e dos lugares habitados por elas.