sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Amazônia ribeirinha e a nucleação escolar

 

A nucleação escolar que vem sendo materializada pelos gestores governamentais ainda faz parte do ajuste das políticas educacionais iniciada com a reforma do Estado na década de 1990. Tinha como uma de suas principais finalidades incorporar o país a nova ordem econômica mundial e estava assentada em algumas premissas como a modernização, racionalização e privatização (SHIROMA, 2000; SOARES, 2000; DOURADO, 2001; PERONI, 2003).

Nesta perspectiva, segundo Dourado (2001, p. 49) o mercado assume o papel de “[...] portador da racionalização sociopolítica conservadora, configurando-se pela minimização do papel do Estado no tocante às políticas públicas”. Este princípio atribuiu novas responsabilidades aos entes federados no gerenciamento das políticas educacionais, principalmente a partir da municipalização do ensino.

A municipalização, na prática, representou a transferência de responsabilidade da gestão das políticas educacionais da união aos estados e municípios, porém, a união continuou centralizando a formulação, assim como a distribuição dos recursos à educação. No entanto, um dos grandes desafios dos governos era a superação dos déficits educacionais, principalmente o analfabetismo, que de acordo com Shiroma (2000) a taxa no Brasil no período entre 1980/1996 chegava a 25,4%.

Estes dados quando reportados as populações residentes na zona rural eram mais alarmantes ainda, no ano de 2000 a taxa nacional de analfabetismo entre as populações de 15 anos ou mais por domicílio, representava 29,8%, entre as regiões. O Norte e o Nordeste despontavam com as maiores taxas 29,9% e 42,7%, respectivamente (HENRIQUES et all, 2007, p. 19).

Estes resultados eram decorrentes de uma série de adversidade que marcaram a história da educação ofertada às populações rurais no Brasil, como, o atendimento educacional tardio, falta de qualificação dos professores que refletia na má qualidade do ensino. Entretanto, um dos grandes problemas atribuídos à educação do campo para os gestores municipais foram e tem sido as classes multisseriadas, pois recaem sobre elas os piores indicadores educacionais além de funcionarem em condições precárias.

De acordo com Moraes et all (2010, p. 405) “[...] as mazelas que envolvem a realidade das escolas multisseriadas são muito antigas e profundas”. Neste contexto, é que surge a política da nucleação, como uma das principais estratégias das secretarias municipais de eliminarem as classes multisseriadas. De acordo com o INEP/MEC (BRASIL, 2006, p. 116) a nucleação é “um procedimento político-administrativo que consiste na reunião de várias escolas em uma só, desativando ou demolindo as demais.”

Seguindo esta lógica, Carmo (2010, p. 161) destaca que “A nucleação consiste em construir uma escola de grande porte em um determinado espaço geográfico, de forma que fique centralizada e as demais do entorno seriam deslocadas para esta”.

Este processo tem gerado certos antagonismos, se por um lado, os governos vêem como a possibilidade da eliminação das classes multisseriadas formadas por turmas unidocentes que atendem em um mesmo espaço várias séries/anos, funcionando em escolas sem estruturas adequadas e com professores sem atendimento, projeto pedagógico e metodologias adequadas, por outro, fere o direito à educação dos sujeitos, uma vez que a nucleação tem significado a dizimação de muitas comunidades tradicionais nas áreas rurais.

Também, é necessário questionar se em função do discurso da qualidade da educação nas escolas rurais os gestores municipais não estão utilizando a política da nucleação para proverem a racionalização dos recursos investidos na educação.

Imprescindível também considera que a nucleação neste espaço é bastante complexo pelas circunstâncias geográficas que caracteriza a região, formada por ilhas, rios e igarapés, assim como a peculiar densidade geográfica de habitantes por quilômetros quadrados. São alguns dos fatores que gera preocupação quanto ao deslocamento dos alunos de suas comunidades para as escolas núcleos, pelo tempo de viagem de barco que percorrem cotidianamente para chegarem à escola.

Os habitantes dessas regiões tem uma relação intrínseca com a natureza. Os ribeirinhos têm nas matas e nas águas toda simbologia expressa na sua cultura, diante de um espaço único, crítico e variadas interpretações. A relação homem e natureza iluminam e refletem a cultura desse povo. Para Paes Loureiro (1995):

Trata-se de um mundo de pescadores, indígenas, extratores consumidos em largas e pacientes jornadas de trabalho; de uma geografia de léguas de solidão e dispersão entre as casas e pequenas cidades, de um viver contemplativo onde predominam a linguagem e a expressão devaneantes, como se seus habitantes caminhassem entre o eterno e o cotidiano.


Nesse contexto da relação com o espaço vale considerar que as práticas culturais são um importante componente para a produção das espacialidades. São elas que mediam a relação do homem com a natureza e ajudam a construir o mundo (CLAVAL, 2007). E é por ela que os vínculos territoriais são estabelecidos, “Há assim uma herança cultural que permeia a relação com o território” (ALMEIDA, 2008). A tradução da cultura para o espaço passa pelo território (BONNEMAISON, 2002).



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