A discussão sobre
culturas escolares e linguagens, de forma geral nos leva a refletir sobre as
particularidades da escola no conjunto de práticas que procura estabelecer
continuamente com a sociedade, tanto no contexto local como geral. No entanto,
nessa relação intima entre a escola com a sociedade é preciso reconhecer os
limites da percepção do lugar central exercito pela escrita na produção do exercício
ordinário do fazer da escola, seja como produto das relações pedagógicas, como
resultado das práticas administrativas, como efeito da construção dos diversos saberes
sobre os alunos, professores ou ainda como derivação de uma pratica escritural
escolar.
Assim, para Chartier
(1990), todas as práticas escolares são constituídas historicamente, e emergem naturalmente
no âmbito da propagação da palavra impressa e manuscrita para uma parcela cada
vez mais crescente da população. Da mesma forma as relações pedagógicas constituem-se
na forma da oralidade que passa a ser socializada e pouco deixa marcas
históricas e são constituídas na interação dos sujeitos com os objetos
culturais cotidianamente, ao longo dos tempos, distribuídos na escola.
Ao estabelecer relações
ente as praticas escolares e os aspectos da cultura percebemos que a História
Cultural pode ser compreendida como um fenômeno que atua na prática
historiográfica atual. Nesse contexto é muito difícil configurar um fenômeno
cultural simultaneamente à sua ocorrência, mesmo que tais mudanças ocorram no
interior da escola. Efetivamente, para Burke (2005), a História Cultural passa pelo
campo interdisciplinar estabelecendo correlações ente o local e o momento em
que a noção de cultura sofre modificações para oferecer aos historiadores e à
sociedade potencial de síntese analítico ou explicativo.
Identificar prioritariamente o modo como em diferentes tempos e espaços
uma determinada realidade social é construída, pensada e colocada em pratica
pela sociedade é objeto da história cultural. A partir da clareza do seu objeto
passa a ser fácil presumir que uma atribuição deste porte supõe a projeção de
vários cenários a ser perseguidos. Um desses importantes cenário diz respeito
às delimitações, classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo e
sua realidade social.
Essas apreensões do mundo e sua realidade social são cenários variáveis em
conformidade com as classes sociais e aos meios intelectuais disponíveis no
contexto da história. Assim, embora sua projeção seja à universalidade de um
diagnóstico imposto na razão, as representações do mundo social são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as imperam. Dessa forma, as
percepções do social não são de forma alguma consideradas como discursos
neutros. Chartier (1990) lembra que as lutas de representações sociais têm
tanta importância quanto às lutas econômicas para compreender os mecanismos
pelos quais um grupo impõe, ou de alguma forma tenta impor a sua concepção de
mundo social, seus valores culturais e seus domínios apreendidos.
O contexto das práticas escolares e da cultura, as modalidades do agir e
do pensar devem ser sempre remetidas para os laços de interdependência que
regulam as relações entre os povos e a sociedade. Essas diversas relações são
constantemente transformadas, imposta pelas diferentes situações e de várias
maneiras pelas estruturas e apropriação do poder. A noção de apropriação, segundo Chartier (1990),
pode ser reformulada e colocada no centro de uma abordagem de história cultural
que se prende com práticas diferenciadas. No pensamento de Chartier a história social das interpretações pode ser
remetida sobremaneira para as suas determinações fundamentais, que são sociais,
institucionais e culturais e inscritas nas práticas específicas e determinantes
que as produzem.
Nas questões sobre as
culturas escolares e suas linguagens é importante lembrar que tradicionalmente,
as nossas escolas têm adotado em seu percurso a língua, no sentido da sua
descrição e da sua estrutura, como objeto principal no ensino. Ao longo do
tempo e como decorrência das transformações ocorridas na sociedade diversas propostas
inovadoras têm surgido no ambiente escolar, visando uma reconstrução da realidade
e das possibilidades imposta pelo seu contexto.
Estas propostas elencam, dentre outras, a
leitura e a escrita como atores principais de um modelo revolucionário, que
busca evidenciar as necessidades das pessoas com os aspectos sociais do homem
diante do mundo que o envolve. Esta é uma proposta que gera inúmeros sentimentos
contrários nos corações e nas mentes das pessoas ligadas direta ou
indiretamente ao sistema educacional.
Para Kramer (2006), as
mudanças e inovações que buscam o aprimoramento e a eficácia do sistema
educativo são recentes e, de certa forma, causam impacto por incidirem de
frente com os antigos pilares culturais que alicerçam o sistema educacional de
forma geral. Até certo ponto parece um aspecto comum essa resistência, afinal
toda constituição de novas práticas desconhecidas no ambiente escolar são consideradas
inseguras e instáveis até sua total assimilação.
Para Soares (2004) o
surgimento de uma nova palavra ou fenômeno cultural está sempre condicionado ao
contexto de um novo fenômeno, como é o caso do letramento surgido no Brasil, na
década de 1980 em decorrência das altas taxas de repetência dos alunos naquele
momento. A partir daí a sociedade passa a tecer reflexões sobre a problemática
da alfabetização em contraposição ao analfabetismo e como forma de buscar
soluções para a questão do fracasso escolar.
O exposto leva à
consonância de que uma definição única para o termo letramento ao longo da
história tem sido algo difícil, uma vez que se trata de um conceito amplo e
complexo. Conforme Soares (2009, p. 65), as dificuldades e impossibilidades
devem-se ao fato de que o letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos,
habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais. O conceito de
letramento envolve, portanto, sutilezas e complexidades difíceis de serem
contempladas em uma única definição.
Já para Mortatti, o termo
letramento até por ser uma palavra recente, nem sempre são idênticos os
significados que lhe vêm sendo atribuídos ao longo da historia da educação,
assim como os objetivos com que é utilizada. Ainda se tratando de relações
entre alfabetização e escolarização, Mortatti (2004, p. 107) afirma que somente
o fato de ser alfabetizada, não garante que a pessoa seja letrada.
Diante desses conceitos e
práticas retratadas no aspecto da cultura que se refletem na linguagem
propriamente dita vemos o papel fundamental exercido pela instituição escolar
tanto na formação de opinião como no seu poder de transformação da sociedade.
Assim, como a cultura, o processo se ensino e aprendizagem, alfabetização e
outros temas bastante difundidos no espaço escolar são fenômenos complexos que
precisam transpassar o campo do discurso superficial e das circunstâncias
momentâneas. Somente após o devido tempo de disseminação e assimilação do seu
conceito pela sociedade poderá passar a ser aceito como prática cultural com
reflexos na mudança de postura da sociedade.
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