A Região
Ribeirinha do baixo Rio Madeira no Município de Porto Velho, Estado
de Rondônia é formada por quatro Distritos: São Carlos, Nazaré,
Calama e Demarcação. Abrange uma área de 7.833,85 km² que
é constituída
por uma variedade de ecossistemas e possui uma diversidade de povos
com saberes, habilidades, costumes e valores próprios que torna a
região um espaço inter/multicultural, com populações cujas
diversidades cultural, social e étnica sustentam a sua riqueza sócio
histórica.
Atualmente,
esses distritos contam com energia elétrica, telefone, televisão
com recepção via antena parabólica e internet. Na área da saúde
apresentam condições regulares nos aspectos físicos e de
atendimento primário, se comparado aos demais da região. Um dos
grandes desafios dos habitantes dessa região corresponde à falta de
profissionais qualificados.
A
água consumida é captada diretamente do rio através de bombas
elétricas ou de poços semi-artesianos. A má qualidade gera muitos
problemas de saúde, especialmente na época em que o nível dos rios
começam
a subir, e do mesmo modo, quando começa a descer.
O atendimento
educacional é regular, presentando dificuldades relacionadas ao
transporte escolar. As escolas possuem estruturas físicas
satisfatórias e contam com professores habilitados, porém ainda não
em número suficiente para atender todas as disciplinas do ensino
fundamental e médio.
Organizados em
associação, os ribeirinhos realizam diversas atividades e festas
tradicionais em várias épocas do ano, atraindo centenas de pessoas
para a região.
Um cenário de somatórios de ativos materializados em saberes e
prática culturais intangíveis que segundo Brugnera (2015) reflete a
ocupação das paisagens, resultante de um processo de longa duração
da ocupação amazônica por uma diversidade de identidades
culturais.
Neste
ecossistema, as terras representam para a população que nela vivem,
uma relação de propriedade provisória, dependendo de sua
utilização para o trabalho. São terras baixas inundadas
periodicamente, ocupadas em grande parte por caboclos ribeirinhos,
populações tradicionais que têm suas vidas inseridas num modo
peculiar de viver, trabalhar e construir saberes (FABRÉ, et al,
2007).
O modo de vida é
marcado por uma cultura diferenciada, caracterizada principalmente
pelo contato com as águas – cheias e vazantes, terras e floresta.
São seres humanos que decidem o que manter, criar e desenvolver em
cada ecossistema, por meio de um conjunto de recursos, técnicas e
estratégias adquiridas ao longo do tempo. São possuidores de uma
vasta experiência na utilização e conservação do espaço, da
biodiversidade e da ecologia dos ambientes onde vivem e trabalham
(BARREIRA, 2007).
A peculiaridade
e riqueza dessas localidades, marcada principalmente por ciclos de
cheias e vazante dos rios, tem mostrado ao longo dos anos uma riqueza
de conhecimentos diante das significativas manifestações da
natureza, no que se refere a percepção das alterações na dinâmica
do clima e da paisagem que a cada ano redefinem
a margem dos rios. Tais fatos os obrigam também a redefinir o uso e
ocupação desses espaços.
Ao mesmo tempo
em que as populações ribeirinhas redefinem seus novos espaços de
ocupação, de algum modo redefinem também suas atividades sociais e
econômicas, além de comprometer as estruturas e até modificações
nas moradias que devem ser capazes de responder aos fatores naturais
a que são expostas e proporcionar ambiente termicamente confortáveis
aos seus usuários.
Em Rondônia, os
ribeirinhos que vivem nas margens do baixo Rio Madeira, no Município
de Porto Velho, são alguns dos mais impactados. Tal posicionamento
nos leva a questionar sobre quais percepções, efetivamente essa
população tem das mudanças do clima na região e as possíveis
interferências na estrutura produtiva social, politica e ambiental.
Pensar o espaço
de uma comunidade ribeirinha na Amazônia significa superar algumas
visões estereotipadas acerca dos significados do que é viver essa
múltipla identidade, marcada por diversos aspectos, que vão desde a
sua relação com a natureza à construção diária da vida nas
práticas do cotidiano.
As marcas do
espaço geográfico e suas influências como as descritas no contexto
do período das cheias e vazantes dos rios são uma das principais
marcas do viver que transbordam de sentidos culturais e sociais
materializados nas suas práticas.
Diante dos novos
paradigmas enfrentados, em função das mudanças climáticas
globais, novos e diferenciados arranjos espaciais na superfície do
planeta e na vida dos homens provavelmente se constituirão
(MENDONÇA, 2003).
O que se
evidencia certamente será a constituição de novos cenários de
adaptações nos novos modos de viver e morar, proporcionada pelos
eventos hidrológicos, potencializados pelas variações do clima,
que forçam as populações a buscar novas adaptabilidades.
Nesses espaços,
assim como em toda a
Região Amazônica brasileira é perceptível a variabilidade
climática. Os eventos extremos, de forte seca, muita chuva e grandes
cheias dos rios estão cada vez mais agressivos provocando relevantes
impactos econômicos forçando
as
populações locais a encontrar novos meios de sobreviver com um
clima cada vez menos previsível.
Para as pessoas
que vivem nessa região, o vai e vem das águas ao redesenhar as
paisagens, ao ditar o ritmo da vida e da economia local, exige cada
vez mais diferentes mecanismos de adaptação ao longo do ano.
O período de
chuvas ou forte atividade convectiva é compreendido entre novembro e
março, sendo que o período de seca é entre os meses de maio e
setembro. Os meses de abril e outubro são meses de transição entre
um regime e outro (FIGUEROA, S. N. & NOBRE, C. A, 1990).
O pico mais alto
das cheias dos rios se dá entre os meses de janeiro, fevereiro e
março, período no qual os ribeirinhos, moradores nas terras de
várzeas ficam sem qualquer possibilidade de plantar, colher ou obter
fonte de renda, caracterizando um cenário de novos desafios em
virtude da necessidade do deslocamento para outras regiões rurais ou
urbanas, tendo que se adaptar a outras realidades socioculturais,
ambiental e principalmente econômicas, uma vez que a sua
sobrevivência, nesse período está alicerçada basicamente na
pesca.
Estudos
realizados por Blennow e Persson (2009) destaca que os indivíduos
percebem e adaptam-se a eventos de variabilidade e mudanças
climáticas tendo como base em observações pessoais e fatores
culturais. Tais trabalhos reforçam a hipótese de que experiências
advindas da percepção do clima local podem influenciar não só as
crenças acerca do aquecimento global, mas também nas respostas e
atitudes dos indivíduos, frente às alterações do clima e os
impactos dela decorrentes.
O conceito de
ribeirinho aparece pela primeira vez no Brasil, a partir de debates e
reflexões de Furtado e Maneschy (2002), docentes do programa de
Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal
do Pará, ao publicarem um artigo em coautoria inédito e intitulado
Gens
de mer et contraintes sociales: les pêcheurs côtiers de l´etat du
Párá, nord du Brésil
em 2002.
Nesse artigo as
autoras aplicaram o conceito em suas realidades de análise, propondo
o termo ribeirinho como expressão de um modo de viver dos grupos
sociais localizados à margem de mananciais aquáticos, de onde
emanam os elementos materiais, imateriais e simbólicos que
configuram o modo de vida desses grupos
Os ribeirinhos
são uma referência de população tradicional na Amazônia, a
iniciar pela forma de comunicação, no uso das representações dos
lugares e tempos de suas vidas na relação com a natureza. Desde a
relação com a água, seus sistemas classificatórios da fauna e
flora formam um extenso patrimônio cultural. Vivem em agrupamentos
comunitários com várias famílias, localizados, como o próprio
termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários.
O termo
ribeirinho também é geralmente utilizado como uma denominação de
caracterização dos pequenos produtores que têm nas terras de
várzea o seu espaço social organizado. Diferencia-se do pequeno
produtor da terra firme, não só por ocupar um espaço físico
diferente, mas também por sua relação com a terra e com a água
(CHAVES, 1990).
A
partir do Decreto nº 6.040, de 7/02/2007, as comunidades
tradicionais foram entendidas como grupos culturalmente diferenciados
e que se reconhecem como tais. Possuem formas próprias de
organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando ainda conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição e não apenas meros
transmissores dos modos de vida na beira do rio.
Concernente aos
conhecimentos adquiridos por estes povos ao longo dos anos, Boff
(2004) exclama: “o conhecimento tradicional é uma sabedoria feita
da observação e da ausculta da terra”. Esses ainda são
determinantes para o equilíbrio existente entre estas populações e
a natureza, já que sua sobrevivência depende da manutenção dos
recursos naturais.
Nesse sentido,
considera-se que o modus
vivendi
e a organização política das comunidades tradicionais ribeirinhas
são marcados e orientados por uma identidade pautada nos valores
socioculturais e na dinâmica sócio histórica da região amazônica.
O
ribeirinho tradicional tem na agricultura de pequena escala, no
extrativismo, na pesca e na caça, suas atividades de subsistência
familiar, reguladas pelos ciclos de sazonalidade (MURRIETA, 2008).
Algumas
comunidades ribeirinhas da Amazônia, ainda têm como característica
certo grau de isolamento, e por consequência, possuem pouca
influência política e organização social. Há em comum a
apresentação de um conjunto de características próprias, que se
distingue das demais populações do meio rural ou urbano, e por isso
merecem ser objeto de proposições de ações que possam
orientá-los, quando necessário a minimizar as consequências das
mudanças que se configuram no espaço onde vivem.
É premente a
discussão sobre
as percepções e as formas de adaptar-se das populações
ribeirinhas da Amazônia em função dos eventos climáticos na
região que muito tem se agravado nos últimos anos, que se
configuram na conformidade com a própria natureza, das quais emergem
novas dialéticas impostas por elas próprias que
podem
demonstrar a riqueza de conhecimentos advindos desse povo que se
reinventa a todo o momento.
São
conhecimentos passados por gerações, que vão além das atividades
de trabalho, uma vez que esses grupos de moradores articulam suas
relações sociais, principalmente, com o movimento do rio, que
configura igualmente o seu cotidiano e rege o movimento de entrada e
saída da população nessa região.
Trata-se de um
universo constituído por elementos que moldam uma forma singular de
viver na Amazônia que
enseja urgente
a adoção de políticas públicas que possam atender as demandas da
população, que por tantas vezes têm sido negligenciada e
que atualmente se agrava em consequência das mudanças climáticas
que se agrava na região.