terça-feira, 10 de agosto de 2021

A Amazônia é dos Americanos?

 O grande contingente populacional indígena localiza-se, não por acaso, na Amazônia. Não por acaso, dizem também os que defendem teorias conspiratórias, como se os índios fossem a ponta de lança de interesses escusos internacionais. Chegou-se a dizer que se traziam índios para onde houvesse riquezas minerais. Os índios são mais numerosos na Amazônia pela simples razão de que grande parte da região ficou à margem, nos séculos passados, dos surtos econômicos. O que se prova até pelas exceções: onde houve borracha, por exemplo no Acre, as populações e as terras indígenas foram duramente atingidas e a maior parte dos sobreviventes dos grupos pano do Brasil hoje estão em território peruano. Quanto aos Yanomami, habitam terras altas que até recentemente não interessavam a ninguém. As populações indígenas encontram-se hoje onde a predação e a espoliação permitiu que ficassem.

Os grupos da várzea amazônica foram dizimados a partir do século XVII pelas tropas que saíam em busca de escravos. Incentivou-se a guerra entre grupos indígenas para obtê-los e procedeu-se a maciços descimentos de índios destinados a alimentar Belém em mão-de-obra. No século XVIII, como escrevia em 1757 o jesuíta João Daniel, encontravam-se nas missões do baixo Amazonas índios de "trinta a quarenta nações diversas". Alguns grupos apenas foram mantidos nos seus lugares de origem para que atestassem e defendessem os limites da colonização portuguesa: foram eles os responsáveis pelas fronteiras atuais da Amazônia em suas regiões.

E o caso dos Macuxi e Wapixana, na Roraima atual, chamados no século XVIII de muralhas do sertão. O Barão de Rio Branco e Joaquim Nabuco fundamentaram na presença destes povos e nas suas relações com os portugueses a reivindicação brasileira na disputa de limites com a então Guiana inglesa, no início deste século. E há quem venha agora dizer que os Macuxi se instalaram apenas recentemente na área Raposa-Serra do Sol! Do ponto de vista da justiça histórica, é chocante hoje se contestar a conveniência de grupos indígenas povoarem as fronteiras amazônicas que eles ajudaram a consolidar.

Outra objeção que frequentemente se levanta, paradoxal em um país ocupado por latifúndios numa proporção que beira os 50% (48,5%), é o tamanho das terras indígenas na Amazônia. Já vimos as razões pelas quais elas se concentram na região, longe das áreas de colonização antiga.

Mas grandes áreas na Amazônia não são o privilégio de alguns grupos indígenas. A Manasa Madeireira Nacional tinha, em levantamento do INCRA de 1986, nada menos do que 4 milhões e 140 mil hectares no Amazonas: área maior que a Bélgica, a Holanda ou as duas Alemanha reunidas. Em outras regiões do Brasil, a mesma Manasa tinha mais meio milhão de hectares. A Jari Florestal Agropecuária Ltda tem quase três milhões de hectares no Pará. E assim vai. E neste caso, contrariamente às terras indígenas que pertencem à União, trata-se de terras particulares.

 

Parte do texto “O futuro da questão indígena”.
Autor: Manuela Carneiro da Cunha
Disponível em:     http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000100016

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