Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse – “ai meu Deus, que história mais engraçada!” E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria – “mas essa história é mesmo muito engraçada!”
Que um casal que estivesse em casa
mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante
irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha
história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da
mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má- vontade, tomasse conhecimento da
história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um
para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse
do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem
juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em
todas as salas de espera, a minha história chegasse – e tão fascinante de
graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu
coração com lágrimas de alegria, que o comissário do distrito, depois de ler
minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres
mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – “por favor, se comportem, que
diabo! eu não gosto de prender ninguém!” E que assim todos tratassem melhor
seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea
homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse
pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na
Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago – mas que em
todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto
surpreendente, e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre,
muito sábio e muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história assim tão
engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje
para ouvi-la: essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem: foi
com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que
dormia, e que ele pensou que já estivesse morto: sim, deve ser uma história do
céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento: é divina.”
E quando todos me perguntassem – “mas
de onde é que você tirou essa história?” – eu responderia que ela não é minha,
que eu a ouvi, por acaso, na rua, de um desconhecido que a contava a outro
desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito
contar uma história...”
E eu esconderia completamente a
humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando
pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e
sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.
(Rubem Braga. 200 Crônicas Escolhidas 2
ed. Rio de Janeiro: Record, 1978, p. 287-8).
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