Essa é em parte a história de um homem vencedor
dos desafios impostos pela vida e que nos dias atuais persiste em viver o desenrolar
da sua existência, onde tudo tinha para dar errado. Mãe viúva com cinco filhos
para criar. Moradores da área rural ribeirinha onde a única fonte de recursos
limitava-se a prestar dias de serviços, na forma de diárias para os vizinhos ou
pessoas mais abastadas da região. Dias de serviço apenas para comprar o
alimento. Lembro-me que em 1974, o garoto, na época era inda garoto, com sete
anos de idade começou a estudar em uma escolinha a cerca de três horas de
viagem da sua casa, e aí começa a sua história.
A casa, bem a casa era muito humilde feita
de madeira, coberta de palha e tinha apenas a metade do assoalho. Garoto do
interior naquela época era pobre mesmo. Nem adianta comparar com os dias
atuais, onde há programas de distribuição de renda do governo. Uma muda de
roupa apenas servia para tudo, da escola às festinhas do fim de semana. Quando
podia ir, pois a mãe não deixava. Não deixava, às vezes por causa da sua
situação de necessidade.
Demorou muito para aprender a ler e
escrever as primeiras silaba. Porém logo se destacou na sala de aula, motivo de
elogios pelo professor. Bem, o nome da escola era Jaime Araujo dos Santos e a
localidade era chamada Ilha dos Periquitos, no baixo Rio Madeira, município de
Porto Velho/RO. O professor Belmiro foi quem ensinou as primeiras letras e
conseqüentemente o mundo do saber.
Um dia desses vi o professor Belmiro, na
cidade. O tempo em nada o mudou, ou envelheceu. Grande homem. A procura de
trabalho a mãe do jovem migrou para a localidade de lago do Peixe Boi (atual
Vila de Nazaré), onde ficou por um tempo, a final, tinha que dar comida e roupa
para cinco filhos.
Retornando ao local anterior após algum
tempo, em meio a tantas dificuldades e tendo já o filho mais velho casado e
fixado residência na localidade de Sobral, próximo a foz do rio Jamari. Lá se
foram todos para agregar-se ao mesmo. A vida era tão difícil. O irmão mais
velho do jovem que estamos falando tornou-se pescador.
Na região, ser pescador profissional,
naquela época significava ter um padrão de vida melhor. No entanto, imagine a
situação conflituosa que passa a existir no ponto de vista econômico quando
apenas um trabalha e sete não. A mãe, coitada era quem mais sofria por não ter
como ajudar os filhos.
Cursou o segundo ano primário na escola
local com a professora Ilce. Em 1978 o jovem foi morar com a sua irmã, que já
era casada e morava na localidade ribeirinha denominada de Nazaré. A sua irmã
era casada com o irmão do professor Manoel Maciel Nunes. O melhor professor que
já conheci na minha vida.
O cunhado logo o incentivou ao trabalho
e lhe deu o apoio necessário as suas necessidades básicas. No entanto, foi o professor
Manoel Maciel que o conduziu ao mundo da intelectualidade. O professor Manoel
Maciel lecionava na escola Floriano Peixoto, aliás, era o único professor do
local. Era um professor muito conhecido na região pelas suas idéias avançadas
na área educacional e cultural.
Em uma época de pouco movimento na área
educacional ele conseguia mobilizar alunos e comunidade nas atividades de
teatro, festivais de musicas, torneios de futebol, concurso de poesia, jogos de
voleibol, passeios com atividades pedagógicas, e muitas outras atividades que
incentivava a aprendizagem e o convívio social. Era demais, um professor que
realmente inovava a escola e entusiasmava alunos e comunidade para estar na
escola. Atualmente qualquer pessoa que o conheceu irá contar essa mesma
história que ora faço.
Vale lembrar, que como o mesmo tinha
recebido ensinamentos na área religiosa e foi seminarista, todos os domingos
celebrava o culto dominical na capela local, e toda a comunidade marcava
presença. No final da oração ele falava também das atividades escolares para
serem desenvolvida no decorrer da semana. Nos dias de festejos, nem se fala a
alegria que pairava na comunidade. O professor cuidava de tudo. Era realmente
uma unanimidade na região.
Todos o respeitavam e ouviam-no. O
jovem, como falamos antes tinha facilidade em aprender e compreender o mundo da
leitura e do conhecimento e isso despertou o interesse do professor Maciel (como
era chamado), que no ano de 1979 após ter concluído o quarto ano, lhe perguntou
se queria seguir a vida religiosa e estudar em um seminário para a formação de
padre.
Rapazinho, com 12 anos de idade, em um mundo,
como falamos antes onde tudo tinha para dar errado, sem opções na vida, agora
tudo caminhava para uma vida de sucesso. Ser padre naquela época era o ápice, a
gloria de uma família, o caminho para o céu. O arcebispo de Porto Velho,
naquela época era Dom João, homem santo.
Por já conhecer o professor Maciel e o
seu trabalho na comunidade de Nazaré, prontamente se propôs a ajudar. No mesmo
ano encaminhou o jovem ao Instituto Cristo Rei. Um Seminário salesiano
localizado em Cuiabá/MT. Na verdade O seminário ficava mesmo era em Várzea
Grande, mais todo mundo falava que era em Cuiabá. Este lugar que contribui para
a vida de milhares de jovens foi desativado na segunda metade da década de
1990.
Vida difícil aquela, dias longos longe
dos amigos, da família. Só visitava a família uma vez por ano, no mês de
janeiro. As passagens de Cuiabá a Porto
Velho e de Porto Velho a Nazaré não eram baratas. O jeito era ficar mesmo no
colégio e aproveitar os passeios das férias dos padres e as visitas às
paróquias onde ensaiava os hinos e tocava violão nas missas.
E lá se foram oito longos anos de estudo.
Imaginem um garoto que morava em uma comunidade ribeirinha e que de repente vai
morar em uma cidade grande. Novos hábitos e costumes, forma de falar e muitas
outras coisas para se adaptar. À noite se chora com certeza, com saudade dos
que deixou para traz. O seminário era muito bom e a educação era de primeira.
Os professores eram os melhores da região de Cuiabá. A vida era disciplinada em
tudo. Uma rotina severa que se seguia a risca. Não podia infligir o
regulamento.
A vida religiosa requer muita disciplina
e convicção, e mais do que isso, exige conhecimento. Neste requisito você é
exigido ao máximo e quem não consegue se afinar vai logo embora. Vale ressaltar
que a Diocese de Porto Velho pagava para o jovem estudar naquele local. Como a
família na tinha condições nem sequer de pagar as passagens no final do ano, o
professor Maciel era quem pagava tudo, inclusive materiais e roupas para o
jovem estudar naquele lugar.
Diga-se de passagem, que o nível do
colégio era tão alto que os estudantes eram os filhos de prefeitos,
governadores, empresários e outras autoridades do país que iam estudar lá, na
forma de internato. Ao todo eram cento e cinqüenta rapazes que estudava no
local. O atendimento era feito do quinto ano do ensino fundamental ao terceiro
ano do ensino médio.
Concluído a educação básica no Instituto
Cristo Rei a diocese encaminhava seus jovens para cursar filosofia e teologia
em São Paulo (Lorena), Manaus ou Campo Grande. Isso dependia do Arcebispo da
época. Dom João e Dom Antonio geralmente encaminhavam os seminaristas para
Lorena (SP). Os demais passou a encaminhar para Manaus.
Depois de ter concluído seus estudos em
Cuiabá, o jovem, agora pensava na sua família e as condições que ainda se
encontravam, e resolveu enfrentar o mundo do trabalho como professor. Dessa
forma optou por trabalhar na área rural de Porto Velho até o ano de 1996 quando
a família passou a morar na capital Porto Velho. No período que trabalhou na
área rural foi professor, diretor de escola, administrador de distrito e
exerceu liderança comunitária na região do baixo rio madeira.
Voltou a estudar em 1998 na Universidade
Federal de Rondônia onde fez o curso de Licenciatura em Geografia, e mestrado
também em geografia. Cursou também Pós-Graduação em História Geografia e Meio
Ambiente e exerceu vários cargos no âmbito da gestão pública. Apesar das
dificuldades enfrentadas e a sua vontade de vencer, fico muito orgulhoso de
contar essa história por ser ela escrita com determinação.
Para uma pessoa que tinha tudo para
enveredar por caminhos duvidosos a vida, os amigos, as pessoas de bem o
encaminharam para o caminho do bem, da honestidade, da perseverança, do amor e
respeito ao próximo. Hoje esse jovem ainda é professor e ama sua profissão, aliás,
ser professor é uma missão para aqueles que sonham por uma vida melhor e por um
mundo mais fraterno.
Hoje, quando tenho oportunidade de falar
com o jovem protagonista dessa história, o então professor, fico maravilhado
com suas palavras sábias e fico a me perguntar como isso pode ter acontecido?
Como ele fala bem, as palavras nos lugares certos, vocabulário refinado de quem
fala com propriedade. Seus argumentos são inquestionáveis.
E os amigos da juventude que não tiveram
essa oportunidade. Há esse é realmente o dilema, que o faz entristecer. Ele me
fala como a vida é cruel às vezes. Ai ele fala e vai nomeando um por um os
amigos e a vida a que foram conduzidos, e em fim diz: que bom seria se todos
tivessem uma oportunidade.
Para algumas pessoas, o que falta é
oportunidade. Quantos sábios, intelectuais, crianças e jovens que poderiam ter
sido verdadeiros cérebros do seu tempo e não foram por falta de oportunidade. E
conclui dizendo: o professor Maciel fez a sua parte. Outros que também podiam
fazer a diferença não fizeram a sua parte e contribuíram para o aumento dos
problemas sociais hoje existentes
Faz um ar de triste e percebo a dor no seu
coração ao pensar em tudo que passou, no mundo que enfrentou para estar hoje
aqui, bem sucedido. Sempre tratou bem as pessoas, nunca ouvi falar que ele
tenha desrespeitado alguém. Esse é um ser humano que eu admiro, é o cara.
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