segunda-feira, 29 de abril de 2013

ESSE É O CARA


                 Essa é em parte a história de um homem vencedor dos desafios impostos pela vida e que nos dias atuais persiste em viver o desenrolar da sua existência, onde tudo tinha para dar errado. Mãe viúva com cinco filhos para criar. Moradores da área rural ribeirinha onde a única fonte de recursos limitava-se a prestar dias de serviços, na forma de diárias para os vizinhos ou pessoas mais abastadas da região. Dias de serviço apenas para comprar o alimento. Lembro-me que em 1974, o garoto, na época era inda garoto, com sete anos de idade começou a estudar em uma escolinha a cerca de três horas de viagem da sua casa, e aí começa a sua história.

A casa, bem a casa era muito humilde feita de madeira, coberta de palha e tinha apenas a metade do assoalho. Garoto do interior naquela época era pobre mesmo. Nem adianta comparar com os dias atuais, onde há programas de distribuição de renda do governo. Uma muda de roupa apenas servia para tudo, da escola às festinhas do fim de semana. Quando podia ir, pois a mãe não deixava. Não deixava, às vezes por causa da sua situação de necessidade.

Demorou muito para aprender a ler e escrever as primeiras silaba. Porém logo se destacou na sala de aula, motivo de elogios pelo professor. Bem, o nome da escola era Jaime Araujo dos Santos e a localidade era chamada Ilha dos Periquitos, no baixo Rio Madeira, município de Porto Velho/RO. O professor Belmiro foi quem ensinou as primeiras letras e conseqüentemente o mundo do saber.

Um dia desses vi o professor Belmiro, na cidade. O tempo em nada o mudou, ou envelheceu. Grande homem. A procura de trabalho a mãe do jovem migrou para a localidade de lago do Peixe Boi (atual Vila de Nazaré), onde ficou por um tempo, a final, tinha que dar comida e roupa para cinco filhos.

Retornando ao local anterior após algum tempo, em meio a tantas dificuldades e tendo já o filho mais velho casado e fixado residência na localidade de Sobral, próximo a foz do rio Jamari. Lá se foram todos para agregar-se ao mesmo. A vida era tão difícil. O irmão mais velho do jovem que estamos falando tornou-se pescador.

Na região, ser pescador profissional, naquela época significava ter um padrão de vida melhor. No entanto, imagine a situação conflituosa que passa a existir no ponto de vista econômico quando apenas um trabalha e sete não. A mãe, coitada era quem mais sofria por não ter como ajudar os filhos.

Cursou o segundo ano primário na escola local com a professora Ilce. Em 1978 o jovem foi morar com a sua irmã, que já era casada e morava na localidade ribeirinha denominada de Nazaré. A sua irmã era casada com o irmão do professor Manoel Maciel Nunes. O melhor professor que já conheci na minha vida.

O cunhado logo o incentivou ao trabalho e lhe deu o apoio necessário as suas necessidades básicas. No entanto, foi o professor Manoel Maciel que o conduziu ao mundo da intelectualidade. O professor Manoel Maciel lecionava na escola Floriano Peixoto, aliás, era o único professor do local. Era um professor muito conhecido na região pelas suas idéias avançadas na área educacional e cultural.

Em uma época de pouco movimento na área educacional ele conseguia mobilizar alunos e comunidade nas atividades de teatro, festivais de musicas, torneios de futebol, concurso de poesia, jogos de voleibol, passeios com atividades pedagógicas, e muitas outras atividades que incentivava a aprendizagem e o convívio social. Era demais, um professor que realmente inovava a escola e entusiasmava alunos e comunidade para estar na escola. Atualmente qualquer pessoa que o conheceu irá contar essa mesma história que ora faço.

Vale lembrar, que como o mesmo tinha recebido ensinamentos na área religiosa e foi seminarista, todos os domingos celebrava o culto dominical na capela local, e toda a comunidade marcava presença. No final da oração ele falava também das atividades escolares para serem desenvolvida no decorrer da semana. Nos dias de festejos, nem se fala a alegria que pairava na comunidade. O professor cuidava de tudo. Era realmente uma unanimidade na região.

Todos o respeitavam e ouviam-no. O jovem, como falamos antes tinha facilidade em aprender e compreender o mundo da leitura e do conhecimento e isso despertou o interesse do professor Maciel (como era chamado), que no ano de 1979 após ter concluído o quarto ano, lhe perguntou se queria seguir a vida religiosa e estudar em um seminário para a formação de padre.

Rapazinho, com 12 anos de idade, em um mundo, como falamos antes onde tudo tinha para dar errado, sem opções na vida, agora tudo caminhava para uma vida de sucesso. Ser padre naquela época era o ápice, a gloria de uma família, o caminho para o céu. O arcebispo de Porto Velho, naquela época era Dom João, homem santo.

Por já conhecer o professor Maciel e o seu trabalho na comunidade de Nazaré, prontamente se propôs a ajudar. No mesmo ano encaminhou o jovem ao Instituto Cristo Rei. Um Seminário salesiano localizado em Cuiabá/MT. Na verdade O seminário ficava mesmo era em Várzea Grande, mais todo mundo falava que era em Cuiabá. Este lugar que contribui para a vida de milhares de jovens foi desativado na segunda metade da década de 1990.

Vida difícil aquela, dias longos longe dos amigos, da família. Só visitava a família uma vez por ano, no mês de janeiro.  As passagens de Cuiabá a Porto Velho e de Porto Velho a Nazaré não eram baratas. O jeito era ficar mesmo no colégio e aproveitar os passeios das férias dos padres e as visitas às paróquias onde ensaiava os hinos e tocava violão nas missas.

E lá se foram oito longos anos de estudo. Imaginem um garoto que morava em uma comunidade ribeirinha e que de repente vai morar em uma cidade grande. Novos hábitos e costumes, forma de falar e muitas outras coisas para se adaptar. À noite se chora com certeza, com saudade dos que deixou para traz. O seminário era muito bom e a educação era de primeira. Os professores eram os melhores da região de Cuiabá. A vida era disciplinada em tudo. Uma rotina severa que se seguia a risca. Não podia infligir o regulamento.

A vida religiosa requer muita disciplina e convicção, e mais do que isso, exige conhecimento. Neste requisito você é exigido ao máximo e quem não consegue se afinar vai logo embora. Vale ressaltar que a Diocese de Porto Velho pagava para o jovem estudar naquele local. Como a família na tinha condições nem sequer de pagar as passagens no final do ano, o professor Maciel era quem pagava tudo, inclusive materiais e roupas para o jovem estudar naquele lugar.

Diga-se de passagem, que o nível do colégio era tão alto que os estudantes eram os filhos de prefeitos, governadores, empresários e outras autoridades do país que iam estudar lá, na forma de internato. Ao todo eram cento e cinqüenta rapazes que estudava no local. O atendimento era feito do quinto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio.

Concluído a educação básica no Instituto Cristo Rei a diocese encaminhava seus jovens para cursar filosofia e teologia em São Paulo (Lorena), Manaus ou Campo Grande. Isso dependia do Arcebispo da época. Dom João e Dom Antonio geralmente encaminhavam os seminaristas para Lorena (SP). Os demais passou a encaminhar para Manaus.

Depois de ter concluído seus estudos em Cuiabá, o jovem, agora pensava na sua família e as condições que ainda se encontravam, e resolveu enfrentar o mundo do trabalho como professor. Dessa forma optou por trabalhar na área rural de Porto Velho até o ano de 1996 quando a família passou a morar na capital Porto Velho. No período que trabalhou na área rural foi professor, diretor de escola, administrador de distrito e exerceu liderança comunitária na região do baixo rio madeira.

Voltou a estudar em 1998 na Universidade Federal de Rondônia onde fez o curso de Licenciatura em Geografia, e mestrado também em geografia. Cursou também Pós-Graduação em História Geografia e Meio Ambiente e exerceu vários cargos no âmbito da gestão pública. Apesar das dificuldades enfrentadas e a sua vontade de vencer, fico muito orgulhoso de contar essa história por ser ela escrita com determinação.

Para uma pessoa que tinha tudo para enveredar por caminhos duvidosos a vida, os amigos, as pessoas de bem o encaminharam para o caminho do bem, da honestidade, da perseverança, do amor e respeito ao próximo. Hoje esse jovem ainda é professor e ama sua profissão, aliás, ser professor é uma missão para aqueles que sonham por uma vida melhor e por um mundo mais fraterno.

Hoje, quando tenho oportunidade de falar com o jovem protagonista dessa história, o então professor, fico maravilhado com suas palavras sábias e fico a me perguntar como isso pode ter acontecido? Como ele fala bem, as palavras nos lugares certos, vocabulário refinado de quem fala com propriedade. Seus argumentos são inquestionáveis.

E os amigos da juventude que não tiveram essa oportunidade. Há esse é realmente o dilema, que o faz entristecer. Ele me fala como a vida é cruel às vezes. Ai ele fala e vai nomeando um por um os amigos e a vida a que foram conduzidos, e em fim diz: que bom seria se todos tivessem uma oportunidade.

Para algumas pessoas, o que falta é oportunidade. Quantos sábios, intelectuais, crianças e jovens que poderiam ter sido verdadeiros cérebros do seu tempo e não foram por falta de oportunidade. E conclui dizendo: o professor Maciel fez a sua parte. Outros que também podiam fazer a diferença não fizeram a sua parte e contribuíram para o aumento dos problemas sociais hoje existentes

 Faz um ar de triste e percebo a dor no seu coração ao pensar em tudo que passou, no mundo que enfrentou para estar hoje aqui, bem sucedido. Sempre tratou bem as pessoas, nunca ouvi falar que ele tenha desrespeitado alguém. Esse é um ser humano que eu admiro, é o cara.