O Município de Porto Velho/RO tem como principal bacia hidrográfica o Rio Madeira, que de acordo com o Plano Diretor da cidade é formada por três regiões: Alto, Médio e Baixo Madeira. Nessas regiões estão distribuídos quatorze distritos. Abrange uma área de aproximadamente 34 km² e mais de 500 km de extensão Leste-Oeste, quase 15% do território do estado de Rondônia.
A região é constituída por uma variedade de ecossistemas e uma diversidade de povos com saberes, habilidades, costumes e valores próprios que torna a região um espaço inter/multicultural, cuja diversidade cultural, social e étnica sustenta sua riqueza sócia histórica.
A escola existente nesses territórios possui extrema importância para a reprodução social dessas populações (FABRÉ, et al, 2007). Apesar da peculiaridade e riqueza das localidades, marcada pela subida e descida das águas, a política de educação escolar tem sido predominantemente pautada no modelo urbano-cêntrico reproduzindo fortemente a desvalorização do modo de vida, reforçando o êxodo rural e consequentemente a falta de desenvolvimento econômico da região.
Essa desvalorização, marcada pela pouca atuação do Estado, tem proporcionado um considerável índice de jovens e adultos não alfabetizados e de pessoas com tempo de escolaridade inferior a quatro anos. Possui um baixo IDH e índices do IDEB nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esses baixos indicadores sociais e humanos refletem o peso do tratamento subalterno que a população ribeirinha historicamente tem recebido.
Pensar o espaço de uma comunidade ribeirinha na Amazônia significa superar algumas visões estereotipadas acerca dos significados do que é viver essa múltipla identidade, marcada por diversos aspectos, que vão desde a relação imbricada com a natureza à construção diária da vida nas práticas do cotidiano.
A população ribeirinha vive dinâmica própria condicionada no tempo e no espaço em que estão situados, possuindo condições para viver sem grandes problemas, mas o que lhes faltam é melhores condições de acesso às políticas públicas. Nesse sentido, convém destacar a Constituição Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), ao dizer no Artigo 205 que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A falta, ou a quase inexistência, de atenção governamental é amplamente perceptível nessas regiões evidenciada na carência de atenção para um dos principais alicerces da formação dos cidadãos, a escola. Com efeito, a escola ribeirinha da Amazônia passa por problemas ainda mais recorrentes devido às dificuldades de acesso, uma vez que estão localizadas às margens dos rios, em locais de difícil acesso.
Ademais, a falta de planejamento educacional nessas áreas em conformidade com os anseios da população evidencia a imposição de uma estrutura social, na qual os padrões educacionais, culturais, didáticos e institucionais urbanos são transpostos, em muitos casos negando a identidade dos povos tradicionais locais.
Nesse sentido, as potencialidades próprias são essencialmente tidas como inexploradas pelos estudantes, cujas relações de ensino e de aprendizagem ocorrem como reflexo das relações educacionais vivenciadas nas escolas urbanas. O currículo das escolas nessa região necessita contemplar elementos de compreensão da realidade por elas vividos de forma especializada.
Trata-se de uma escola que tem suas diferenças, suas características, suas marcas, e que precisa ser respeitada enquanto instituição que abriga outro modo de viver as relações pedagógicas do currículo, e sendo assim, precisa voltar-se para suas necessidades cotidianas (VICTÓRIA, 2008).
São milhares de crianças e jovens que têm suas vidas inseridas num modo peculiar de viver, trabalhar e estudar. Um modo de vida marcado por uma cultura diferenciada, caracterizada principalmente pelo contato com as águas, de onde retiram o sustento para eles e suas famílias.
Muitas destas crianças já começam a lidar com a pesca e a agricultura desde muito cedo, ajudando seus pais e com entusiasmo, participam do sustento diário de suas famílias (CHAVES, 1990). Neste contexto, a escola seria o lugar ideal para o incentivo ao protagonismo do avivamento do conhecimentos historicamente repassados de geração em geração.
Diante disso, é salutar refletir de forma especializada e pensar um currículo para as escolas ribeirinhas de forma que contemple elementos de compreensão da realidade das pessoas que nela buscam ampliar seus horizontes de conhecimentos para o desenvolvimento e a permanência no espaço por elas vivido.
Acredita-se que é possível por em prática um currículo escolar a partir dos ribeirinhos e para os ribeirinhos, no qual se estabeleça relações na tríade práticas pedagógicas, contexto sociocultural e currículo escolar (BRITO, 2008).
Ribeirinhos é uma denominação geralmente usada para caracterizar os pequenos produtores que têm nas terras de várzea o seu espaço social organizado. Diferencia-se do pequeno produtor da terra firme, não só por ocupar um espaço físico diferente, mas também por sua relação com a terra (CHAVES, 1990) e com a água.
A partir do Decreto nº 6.040, de 7/02/2007, as comunidades tradicionais foram entendidas como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais. Possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando ainda conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição e não apenas meros transmissores dos modos de vida na beira do rio.
Frente a esses paradigmas a educação nas comunidades ribeirinhas precisa ser profundamente repensada. O modelo de educação utilizado nas áreas urbanas apresenta problemas graves e, quando transportado para o mundo ribeirinho, a situação adquire contornos trágicos.
Para Santomé (1998), o mundo rural e ribeirinho costuma ser silenciado nas intenções e ações pedagógicas. Então, há necessidade de rever velhos conceitos, persistentes paradigmas e antigas atuações pedagógicas e anunciar novas formas de atuação nesses espaços concretos e ricos de experiências, conhecimentos e possibilidades.
Nesse sentido, as conquistas da educação escolar nessas comunidades, inspirada nos princípios da Constituição Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) e da Lei nº 9394/96, voltada para a construção de uma nova filosofia de desenvolvimento local e regional poderá possibilitar um horizonte educacional de grande valia para inspirar os gestores a refletirem sobre novas possibilidades de pensar o currículo escolar além do rotineiro processo educacional vivido na maioria das realidades educacionais de nosso país.
Faz-se necessário repensar as praticas e os conceitos pedagógicos voltados às escolas implantadas nas comunidades ribeirinhas da Amazônia evidenciando-as como um espaço para a difusão de valores e conhecimentos para o desenvolvimento econômico, social e cultural dos grupos humanos que ali habitam.
Para isso, os saberes tradicionais, as crenças, a cultura das populações ribeirinhas precisa ser considerada nas discussões de um projeto de escola que se caracteriza por ser diferenciada em seus aspectos sociopolítico, cultural e pedagógico. Ou seja, a implementação de uma política educacional que possibilite através dos currículos escolares o protagonismo dos homens e mulheres que residem e trabalham nesses espaços geográficos de assumirem a condição de seu próprio projeto educativo.
Deverá também proporcionar a integração das populações quanto à formatação dos currículos escolares voltadas as suas necessidades, as metodologias de ensino que devem ser voltadas para essas regiões, e consequentemente sua interação com os sistemas de produção local, tendo em vista que a forte presença abusiva das denominadas culturas hegemônica nas práticas escolares tem silenciado as vozes dos grupos minoritários e/ou marginalizados por não disporem de estruturas importantes de poder.
Ademais, é necessário propiciar discussões sobre a implementação da política educacional desencadeada pela nova Base Nacional Comum Curricular, trazendo consigo a possibilidade efetiva dos homens e mulheres que residem e trabalham nos espaços rurais protagonizarem, na condição de sujeitos, a sua própria história, trazendo consigo elementos para reflexão na construção de um projeto de escola rural/ribeirinha que possa impactar diretamente no calendário e no tempo escolar, conforme a lei estabelece, e de acordo com as peculiaridades da região evidenciando novas discussões quanto às possibilidades de interrelação curricular com as escolas da área urbana.