terça-feira, 28 de março de 2023

Comitês de bacia hidrográfica

Comentando a importância dos vários aspectos da legislação brasileira sobre recursos hídricos, Thame (2003) defende que, na política de gestão das águas, os Comitês de Bacia devem ser prestigiados. O argumento aqui é que a proteção das águas caminhe lado a lado com o desenvolvimento econômico, evitando danos para a população e gerações futuras.

Nessa mesma linha, Pereira (2003) acrescenta que as atribuições dos Comitês não devem ser confundidas com as atribuições e as responsabilidades, constitucionalmente definidas, do setor público. A atuação dos Comitês deve primar pela clareza, pela transparência e pela explicitação de propósitos amparados pelo conhecimento técnico sobre o tema.

Cabe ressaltar que um dos grandes desafios para os Comitês é a administração de conflitos e redução de divergências entre as partes interessadas no uso da água. A tarefa é difícil, pois os interesses ora são individuais ora são corporativos.

O Comitê é ente sem personalidade jurídica e integrante da administração pública. Traduz-se no foro onde são tomadas as principais decisões políticas sobre a utilização das águas na bacia Em função disso é denominado de “parlamento das águas”. Outro componente do Sistema, a Agência de Bacia Hidrográfica, tem personalidade jurídica e é o, “braço executivo do Comitê”, a quem é reservado o papel de implementar as decisões do Comitê.

O fortalecimento de espaços públicos, tais como os Comitês de Bacia Hidrográfica, assume importância estratégica na construção do desenvolvimento sustentável. Considerando a pluralidade de visões e interesses que caracterizam as sociedades modernas, a viabilização dos Comitês, considerando a consertação política, representa grande desafio, seja para a sociedade civil, seja para o Estado ou para o setor privado.

De acordo com Garjulli (2001), no contexto da Política de Recursos Hídricos, um dos maiores desafios é concretizar, por meio dos Comitês de Bacia e demais organismos colegiados, a gestão participativa da água.

Essa nova configuração contrapõe-se às práticas historicamente estabelecidas, tais como: construção de obras hídricas sem o seu devido gerenciamento, decisões governamentais tomadas de forma centralizada, desinteresse e ausência de iniciativas dos usuários e da sociedade na busca de alternativas para a gestão sustentável dos recursos hídricos.

A mudança de procedimentos e práticas no sistema de gestão de recursos hídricos ainda tem um longo caminho a ser percorrido. É importante observar que os canais viabilizados por esse novo sistema, por mais significativos que sejam no processo de uma maior participação popular, devem ser conduzidos de maneira a expressar os anseios das comunidades interessadas na gestão das águas.

Mesmo após décadas da promulgação da Lei Nacional das Águas, Lei nº 9.433/97, são poucos, ainda, os sistemas de gestão operacionalizados em sua plenitude. Os ritmos de implantação dos novos sistemas de gestão são fortemente diferenciados no cenário nacional. De modo geral, são bastante lentos e descontínuos, especialmente, no âmbito dos estados da federação.

Os Sistemas Estaduais de gestão dos recursos hídricos têm avançado e o modelo preconizado na legislação brasileira, sistêmico de integração participativa é bastante complexo por envolver todos os interessados no recurso e utilizar instrumentos inovadores.

Um desses instrumentos é a participação da sociedade por intermédio de grupos e organizações que representam a sociedade civil, os poderes públicos e os usuários da água. Mesmo a passos lentos, a gestão das águas nos Estados, trata-se de um processo que caminha na direção da democracia e da sustentabilidade.

Esse processo tem forte cunho educacional, ou seja, de educação para o exercício da cidadania e da participação política. Em relação à participação social na administração dos recursos hídricos, envolve, essencialmente, o princípio democrático, como também a necessária sensibilização para a construção de uma nova forma de encarar um bem público, por natureza, dispendioso e escasso.

Assim, pressupõe-se que as decisões a serem tomadas pela administração pública reflitam as aspirações das comunidades locais. Para uma participação mais efetiva das comunidades locais, é fundamental a mobilização social, o entendimento da importância da representação dos Comitês e a estruturação de arranjos cooperativos entre os municípios da área de abrangência das bacias hidrográficas, como forma de fortalecer os próprios Comitês.

A implementação da gestão de recursos hídricos é um processo complexo que requer lideranças fortes e democráticas tanto no âmbito dos Comitês, como no âmbito do Estado. A viabilização de meios que possibilitem uma relação harmônica com a sociedade civil tem gerado um discurso hegemônico sobre a modernização do Estado.

Uma das formas para colocar em prática a gestão pública colegiada é adotar uma postura orientada pela lógica sócio-técnica. Esse modelo visa ajustar o interesse público e social por meio do levantamento das aspirações da população que habita o território no qual os recursos comuns serão geridos ou manejados, bem como de diagnósticos técnico-científico da demanda e disponibilidade hídrica.

No sentido de viabilizar a disponibilização de informações sobre o gerenciamento de recursos hídricos é importante a existência de uma estrutura organizacional bem definida, que incorpore sistemas de financiamento e instrumentos adequados de gerência e controle.

Para que isso funcione de forma harmônica, é necessário que as informações sobre os cenários das águas (demanda e disponibilidade) sejam disponibilizadas e que haja uma compreensão efetiva da legislação por parte dos envolvidos na gestão do bem público.

Quanto à eficiência da política pública de gestão de recursos hídricos, percebe-se que que inda há distância entre o conteúdo da legislação e o seu exercício prático no âmbito da administração pública. Os efeitos da lei somente  gerarão resultados no longo prazo e demandarão mudanças substantivas de ordem cultural e gerencial.

Na perspectiva cultural, essas mudanças passam pelo combate ao clientelismo, à tutela e ao individualismo na administração pública. A perspectiva gerencial remete aos novos arranjos organizacionais, que propiciem a participação da população na gestão do bem público. Nesse ponto, a teoria de governança pode oferecer subsídios para essa discussão.

Gestão eficiente das águas

De acordo com o Conselho Mundial da Água, o panorama atual da disponibilidade hídrica é catastrófico: apenas 40% da população mundial hoje tem acesso à água. Esse cenário implica em graves consequências para a saúde pública com indicadores que demonstram 3.900 mortes infantis por dia.

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2025 mostram que um terço dos países terá seu desenvolvimento freado pela falta de água, quando 2,8 bilhões de pessoas poderão estar vivendo em regiões de seca crônica.

Diante desse cenário, uma das áreas que tem despertado grande interesse no meio acadêmico é a gestão de recursos naturais. Enquanto algumas pesquisas buscam a implementação de políticas públicas relativas à gestão das águas, outras abordam a questão da participação social na gestão de recursos hídricos e os desafios para o fortalecimento dos Comitês de Bacia Hidrográfica.

Ainda em termos das investigações no setor público é importante enfatizar, os desafios da inovação nas políticas públicas voltadas para a descentralização na gestão dos recursos hídricos. Alguns estudos têm buscado entender os meios de ampliar a participação nos Comitês de Bacia Hidrográfica. No entanto, não basta apenas assegurar à população o direito de participar da gestão ambiental.

Os gestores de recursos naturais devem também saber como promover a efetiva implementação das políticas públicas. Nesse sentido, cabe destacar que uma estrutura de governança eficiente, com seus princípios e mecanismos consolidados seria condição básica no desenvolvimento sustentável de recursos naturais

Essa eficiência perpassa pela capacidade institucional, em especial, no que se refere aos aspectos financeiros, gerenciais e técnicos para a implementação de políticas públicas.

Pesquisa etnográfica

A Etnografia é uma metodologia das ciências sociais, principalmente da disciplina de Antropologia, em que o principal foco é o estudo da cultura e o comportamento de determinados grupos sociais. Literalmente, etnografia significa descrição cultural de um povo (do grego ethnos, que significa nação e/ou povo e graphein, que significa escrita).

A Etnografia tem ganhado espaço dentro do universo corporativo, principalmente dentro de agências e empresas que trabalham com mídias sociais. Antes apenas conhecida dentro do universo universitário das ciências humanas, hoje ela ganha destaque como diferencial em muitas análises e relatórios.

Na realidade, as análises qualitativas como um todo tem ganhado muito destaque nestes últimos tempos. A pesquisa qualitativa deixou de ser vista e descrita como aquilo que ‘não é quantitativo’ – e sim, como um campo a ser explorado e estudado, pois, da mesma forma que a pesquisa quantitativa, vários enfoques e técnicas diferentes podem ser aplicados, dependendo do interesse e objeto do pesquisador.

De uma forma geral, as pesquisas qualitativas têm como ponto principal entender, descrever e, algumas vezes, explicar, os fenômenos sociais e culturais de grupos sociais e/ ou indivíduos.

Uma das principais pesquisas qualitativas, como já falamos acima, é a Pesquisa Etnográfica. Tanto na história da pesquisa qualitativa quanto os eu boom recente de interesse, a etnografia desempenhou um papel fundamental – “(…) muito do que se sabe sobre relações de campo, sobre abertura e direcionamento rumo a um campo e seus membros, sabe-se através da pesquisa etnográfica. ” (ANGROSINO, 2009).

A pesquisa etnográfica surge no final do século XIX e início do século XX com a necessidade de pesquisadores entenderem de forma mais adequada e aprofundada comunidades e grupos sociais – até então, todo conhecimento provinha de especulação da filosofia social, sem contato nenhum com a sociedade. Os pesquisadores desta época chegaram à conclusão de que apenas o contato real em campo poderia descrever melhor a cultura de um povo.

E aqui chegamos em um dos principais pontos relacionados à etnografia: a pesquisa etnográfica tem como foco entender a cultura de comunidades e grupos sociais. (Nota que estudar a cultura envolve um exame aprofundado dos comportamentos, costumes, crenças, entre outras coisas compartilhadas dentro daquela comunidade).

A etnografia como método

O método etnográfico é diferente de outros modos de fazer pesquisa qualitativa. Ele segue alguns princípios e, neste curso, vamos aprendê-los e aplicá-los ao universo digital:

– Pesquisa de campo (conduzido no local em que as pessoas convivem e socializam);

– Multifatorial (conduzido pelo uso de duas ou mais técnicas de coleta de dados);

– Indutivo (acumulo descritivo de detalhe)

– Holístico (retrato mais completo possível do grupo em estudo).

 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Escolas invisíveis da Amazônia

Atualmente, assim como muitas outras habitualidades, que são vistas como normais, a situação das escolas localizadas em áreas ribeirinhas, mesmo atuando sem a menor condição de funcionamento são levadas a sociedade como algo sem vislumbre de melhorias. O pior de tudo é que até os seus principais atores, parece estarem de olhos vendados, uma vez que permanecem calados e sem qualquer esboço de ação.

 

Transporte escolar - uma maneira dos alunos de chegarem até as escolas ribeirinhas na Amazônia.
Fonte: https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2023/01/17/retorno-de-aulas-para-zona-ribeirinha-de-porto-velho-deve-ser-atrasado-por-falta-de-transporte.ghtml

Mota Neto (2008) afirma que estas unidades de ensino possuem condições precárias, tanto físicas quanto pedagógicas. Apresentam dificuldades no acesso dos alunos e na continuidade dos estudos, proporcionado, principalmente pela distância e pelo trajeto nos lugares onde ocorrem as aulas.

A problemática nessas escolas envolvem as suas estruturas, a falta de professores e a rotatividade dos docentes que tem como resultado a baixa autoestima dos discentes e dos educandos. Essas condições precárias citadas ainda persistem nas práticas pedagógicas das escolas localizadas nos espaços do campo.

Muitos pesquisadores fazem as mais diversas argumentações pautadas pela lógica da construção de um saber que ignora os saberes tradicionais das populações ribeirinhas. Partindo dessa lógica, Moreira e Silva (2013) relatam que os saberes do currículo oficial prevalecem como os conhecimentos que têm validade para a escola, provocando, dessa maneira, uma negação dos saberes construídos historicamente por essas populações.

Da mesma forma, outros defendem que as práticas curriculares aplicadas nas escolas ribeirinhas deveriam se caracterizar por meio das relações entre os saberes, as experiências e a cultura desse povo, fortemente interligada à construção do saber, a fim de revelarem práticas pedagógicas que influenciam na construção da identidade dos alunos ribeirinhos.

Diante desse contexto, o que ainda não e tarde para que os órgão de ensino público passem a evidenciar nesses ambientes, riquíssimos de conhecimentos em todos os aspectos possíveis de se imaginar, é a singularidade da cultura ribeirinha nos processos de ensino, de modo que seja possível gerar na população, o anseio de um currículo que integre a cultura, os saberes e as experiências diariamente desenvolvidas por esses sujeitos no território, onde vivem, trabalham e constroem todas as suas relações sociais.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

RACIOCÍNIO GEOGRÁFICO

O raciocínio geográfico é um processo cognitivo que pode ser desenvolvido pelo professor que atua no ensino de Geografia quando este se utilizar de estratégias pedagógicas que possibilite o aluno a ter um papel ativo na construção de significados, ancorando-se nos fundamentos teóricos metodológicos da ciência geográfica.

Quando considerado o universo e suas constantes transformações, o ensino da Geografia se destaca dentre outras ciências como componente curricular que permite a compreensão das modificações ocorridas no espaço social que estão inseridas. Para Bezerra (2009, p. 1), a Geografia é a ciência responsável por elucidar o mundo e suas transformações.

Desse modo, decifrar o mundo vivido, o espaço e suas paisagens, assim, como viver em sociedade, compreender o papel dos homens na busca pela sobrevivência e da satisfação das suas necessidades, consiste no papel da Geografia que se deve ensinar na escola (CALLAI, 2005, p. 228).

A partir desse entendimento, torna se evidente a importância do ensino de Geografia já nas séries iniciais, uma vez que os alunos precisam ser estimulados à compreensão da vida em sociedade, levando em considerações as diferenças socioculturais e econômicas presentes no meio em que vivem, tornando-se cidadãos críticos e construtores do próprio conhecimento.

Nesse contexto, os professores são desafiados a buscar meios que facilitem a aprendizagem e mobilizem os conceitos da Geografia (espaço, território, paisagem) e os princípios lógicos (localização, delimitação, escala, arranjo, delimitação, rede, conexão, arranjo) a fim de conscientizar os educandos quanto à importância desse componente curricular na elaboração da sua visão de mundo.

Portanto, o raciocínio geográfico é uma cognição fundamental para o desenvolvimento dos alunos na Educação Básica, no que diz respeito à necessidade de atuar nas práticas espaciais cotidianas. Tal raciocínio contribui para o processo de emancipação dos sujeitos, favorecendo a produção da justiça espacial na organização geográfica das sociedades, cabendo aos professores que atuam no seguimento em questão, a utilização de estratégias que viabilizem essa habilidade por parte dos discentes.

Pensamento e raciocínio geográficos relacionados, possibilitam ao professor, sob inúmeras estratégias, a construção de modos de analisar geograficamente e, ainda, modos de ensinar que contribuam para que os alunos realizem análises geográficas e construam conhecimentos a respeito dos fatos/fenômenos em estudo. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Novas tecnologias nas escolas rurais

Estamos diante de um mundo em transformação que nos apresenta desafios em diferentes cenários. Neste contexto, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) têm causados expectativas e impactos nas ações pedagógicas das intuições educacionais, a partir das ações dos docentes.

São novos caminhos proporcionados por essa ferramenta de apoio que podem modificar as estratégias pedagógicas nas salas de aula, buscando migrar da perspectiva de uma única resposta para a de múltiplas questões.

Discussão e preocupação em trazer para as salas de aula brasileiras propostas institucionais relacionadas ao uso de tecnologias como recursos de apoio didático, já existe há algum tempo. O Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo), Portaria no 522 em 09/04/1997 do MEC (Brasil, 1997) introduziu as primeiras iniciativas com a implantação de Laboratórios de Informática Educativa (LIE) nas escolas públicas.

Entretanto, por si só, a presença desses equipamentos não é suficiente para promover a inclusão, nem o letramento digital das comunidades escolares que os recebem.

Alguns estudos (Fagundes, Valentini e Soares, 2010; Soares, Valentini e Pescador, 2011; Schlemmer, 2013; Silva e Scherer, 2014) destacam que alterar as práticas escolares é um processo lento e difícil e requer suporte voltado para a formação dos professores e para situações que lhes permita explorar as Tecnologias Digitais e construir suas próprias experiências e, então, pensar em inovar as práticas pedagógicas.

A escola, como qualquer outra organização social institucionalizada busca mudanças, uma vez que recai sobre si o desafio de garantir a democratização do ensino e consequentemente do acesso às novas tecnologias. Para Umeoka (2006), esse caminho é possível de se fazer pela educação básica. O consenso posto nessa discussão é que não basta disponibilizar computadores nas escolas sem investir na formação tecnológica dos profissionais que nelas atuam, para que os mesmos desenvolvam competências que os habilitem de forma critica a incorporar as novas ferramentas tecnológicas nas suas práticas pedagógicas.

Nesse contexto, a educação no campo e o atraso em relação ao acesso das novas tecnologias nas escolas rurais devem ser posto em discussão. Para Valle (2013), o computador é uma ferramenta que veio para ficar, pois aumenta a produtividade e eficiência na aprendizagem, de forma significativa, desde que sejam bem aproveitados os seus recursos.

Complementa esse autor, enfatizando que o computador não é um substituto para o ser humano, é uma conquista para a construção de conhecimentos em um ambiente de oportunidade e de cooperação.

A discussão ávida do tema será de grande importância para a criação e implementação de politicas públicas educacionais de formação, inserção e uso das novas tecnologias nas escolas localizadas em áreas rurais.

É preciso acreditar que será possível obter resultados que poderão promover o reconhecimento dos docentes como produtores de conhecimento, estimulando-os para o uso pedagógico desses recursos, favorecendo aos debates para a construção coletiva do saber em ambientes com condições adequadas e afetivas no interior da escola.

Uma discussão sobre o currículo para a escolas rurais

Por muitas razões e inquietações de alguns docentes que vivenciam uma realidade, que ao meu sentir já não deveria fazer parte de pauta de discussões no âmbito da educação brasileira, ainda hoje se discute o currículo para as escolas localizadas em áreas rurais.

EMEF Manoel Maciel Nunes - Distrito de Nazaré - Baixo Rio Madeira

A reflexão é premente, e surge a todo momento, pelo fato de que o modelo educacional brasileiro sempre esteve pautado no urbanocentrismo, ou seja, tem como prioridade as escolas urbanas para as quais são voltadas as propostas curriculares, em detrimento das demais escolas localizadas em regiões rurais.

A afirmativa pode parecer para alguns, fato ultrapassado, mas para quem conhece e vivência tal situação haverá de concordar que até então, o que se ensina na maioria das escolas rurais são os mesmos conteúdos das escolas urbanas, sem qualquer inovação que possa contemplar a realidade vivida pelos discentes no lugar ondem vivem.

Um fator de atração e motivação que certamente, deixa de ser explorado nas salas de aulas e que poderia trazer maiores rendimentos acadêmicos e construção da cidadania com valorização das pessoas e da sua cultura.

Pensar em um currículo que contemple as especificidades da escola do campo é não reduzir a questão aos limites da escola, mas considerar os diversos espaços e formas de educação que se possa alinhar ao ensino e aprendizagem na construção do saber que carece de reflexão a todo momento, até mesmo como forma de dar voz aqueles que sempre permaneceram calados nos confins do país.

A escola rural precisa ser vista e respeitada como ela é. São brasileiros, cidadãos que lá estão carentes do conhecimento sistematizado para que possam perceber a realidade dentro e fora do seu habitat e assim transformar sua realidade refletindo as práticas pedagógicas vivenciadas na escola em dinâmicas sociais, intelectuais, políticas e culturais concretas.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Transporte escolar: garantia de acesso e permanência na escola?

O estudante, em especial o mais carente, possui inúmeras dificuldades para permanecer na escola, tais como: alimentação, transporte, vestuário e material didático para o uso diário. Por estas razões, o oferecimento do ensino público gratuito, muitas vezes, não é suficiente para permitir o acesso dele à escola ou mesmo para assegurar ali a sua permanência.

Nesse sentido, por meio do inciso VII do artigo 208 da Constituição Federal (CF), o legislador constituinte atrelou o dever de oferecer à educação outras obrigações que complementam o direito ao ensino público, por meio das quais são possibilitados o acesso e a permanência do estudante no ambiente escolar.

Uma destas obrigações é o transporte escolar. Assim o transporte escolar público figura como importante elemento para a garantia da educação, resultando na igualdade de condições de acesso e permanência dos alunos nas escolas. Atrelado a isto, o serviço de transporte ofertado deve ser o de transportar o aluno com segurança e qualidade, sem colocar em risco a sua integridade física.

O transporte escolar é financiado com recursos federais, estaduais e municipais. Os recursos federais são repassados, fundo a fundo, para os Estados e Municípios através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), pelo Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), com base no número de alunos do ensino fundamental público, residentes na área rural, que utilizam o transporte escolar. 

Este número é informado no censo escolar do ano anterior ao do repasse. Portanto o custeio do transporte escolar é tripartite: cabendo ao Estado custear o transporte dos alunos da rede estadual; e ao Município, o dos alunos da rede municipal; e à União, ajudar nos custeios referentes aos dois sistemas de ensino.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Educação em regiões ribeirinhas da Amazônia

 A Região denominada baixo Rio Madeira, no Município de Porto Velho/RO, formada pelos Distritos de São Carlos, Nazaré, Calama e Demarcação é constituída por uma variedade de ecossistemas e biodiversidades e abrange uma área de 7.833,85 km². 

Possui uma diversidade de povos com saberes, habilidades, costumes e valores próprios que torna a região um espaço inter/multicultural, com populações cujas diversidades cultural, social e étnica sustentam a sua riqueza sócio histórica. Sua população contabiliza cerca de 5.957 habitantes, distribuídos em 1.421 domicílios (IBGE, 2010). 

A escola que nasce e se desenvolve nessa região possui extrema importância para a reprodução social das populações ribeirinhas (FABRÉ, et al, 2007). Apesar da peculiaridade e riqueza dessas localidades, marcada pela subida e descida das águas, a política educacional tem sido predominantemente pautada no modelo urbano-cêntrico. 

Via de regra tem reproduzido fortemente a desvalorização do modo de vida, reforçando o êxodo rural e consequentemente a falta de desenvolvimento socioeconômico e cultural da região.

 Discutir o modelo educacional que historicamente se tem levado às regiões ribeirinhas de Rondônia, cujo isolamento sociopolítico e cultural dessas comunidades as tornam singular, e merecedores de uma escola que desenvolva políticas educativas diferenciadas, a partir de um currículo que evidenciem as competências e habilidades dos estudantes alinhadas com as potencialidades locais, é uma necessidade urgente.

Pensar o espaço das comunidades ribeirinhas na Amazônia significa superar visões estereotipadas dos significados do que é viver essa múltipla identidade, marcada por diversos aspectos, que vão da relação com a natureza à construção da vida nas práticas do cotidiano definidas pelas cheias e vazantes dos rios. 

A quase inexistência, de atenção governamental é amplamente perceptível, particularmente no que se refere à garantia dos direitos sociais, como a oferta de um modelo educacional que atenda as peculiaridades locais com qualidade. 

São crianças e jovens que têm suas vidas inseridas num modo peculiar de viver, trabalhar e estudar. Muitas dessas crianças já começam a lidar com a pesca e a agricultura desde muito cedo, participando dos fazeres e do sustento diário de suas famílias. 

A invisibilidade carregada consigo, proporciona a inexistência de uma política educacional que tenha como base o desenvolvimento humano, com currículos centrados na aprendizagem ativa e reflexiva que vise o desenvolvimento de cidadãos capazes de responder de forma autônoma as transformações advindas do processo de globalização. 

Percebe-se que o atendimento educacional em comunidades ribeirinhas do baixo Madeira, no Município de Porto Velho não dispõe de um planejamento efetivo e reflete o modelo urbano cêntrico, sem dar importância aos interesses da população local. 

Trata-se de uma estrutura advinda da imposição social, na qual os padrões educacionais, culturais, didáticos e institucionais urbanos são transpostos para as unidades educacionais rurais, deixando de explorar as potencialidades econômicas, sociais e culturais vividas pelos educandos, no local onde vivem. 

As análises realizadas em documentos existentes nos sistemas educacionais municipais e estaduais, como Proposta Curricular, Programa Formação de Professores, Calendário Escolar, entre outros voltados para o desenvolvimento da educação no município, não apresentam propostas que respeite as diferenças e características enquanto escola que abriga um outro modo de viver as relações pedagógicas e cujo currículo precisa voltar-se para suas necessidades cotidianas. 

Mesmo a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, conceber que na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino deverão promover as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente quanto aos conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos, organização escolar própria, incluindo adequação do calendário às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas e adequação à natureza do trabalho na zona rural, tais condições ainda não se tornaram reais nas escolas ribeirinhas. 

Persiste no universo educacional ribeirinho uma dicotomia em pensar no aluno que se quer formar quando a sua educação escolar não reflete o seu modo de viver e de se organizar no contexto do ambiente onde vive. 

Neste contexto é salutar refletir na importância das escolas e da educação no ambiente ribeirinho, não somente pelas difíceis condições de acesso, precariedades físicas, dinâmica dos rios e trabalho do professor, mas sobretudo pela transformação que a mesma é capaz de gerar e influenciar no desenvolvimento das pessoas.

Há a necessidade de repensar as práticas e os conceitos pedagógicos desenvolvidos nas escolas ribeirinhas. Para isso, sobrepõem-se como condição primeira que os saberes tradicionais, as crenças e a cultura dessas populações sejam consideradas nas discussões de um projeto de escola, que inspirada na nova Base Nacional Comum Curricular traga consigo a construção de uma proposta que impacte diretamente na vida dos ribeirinhos.

Uma pedagogia diferenciada que articule o saber cultural com o saber científico despido de qualquer preconceito e que considere as peculiaridades geográficas da região, formação de professores e discussões quanto as possibilidades da formatação de um currículo por competência que valorize e almeje a aprendizagem ativa e reflexiva dos alunos em uma escola com outro modo de viver

A Geografia no Brasil

Como conteúdo curricular, a Geografia só se fixa nas unidades escolares e nos seus currículos a partir de 1837, com a criação do Imperial Colégio Pedro II. Nesse período, o ensino público brasileiro passou por diversas alterações com a adoção de diferentes modelos, como o Método de Lancaster, uma forma do sistema atingir o maior número de pessoas possíveis com uma verba reduzida, enfraquecendo o processo de desenvolvimento cognitivo dos estudantes e reduzindo de forma significativa os investimentos destinados à educação pública.

De acordo com Pessoa (2007), no mesmo século, ocorreram quatro grandes reformas no sistema educacional brasileiro, que afetou diretamente o ensino de Geografia e a forma que ela era exposta para os estudantes. A primeira reforma, planejada por Benjamim Constant (1890), a segunda por Epitácio Pessoa (1901), a terceira por Rivadávia da Cunha Corrêa e a quarta e última grande reforma por Carlos Maximiliano (1915).

A partir desse período, surgem vários cenários em relação ao ensino de Geografia no país, influenciado pelos mais diversos aspectos de cunho econômico, territorial e social. O ensino de Geografia foi normatizado e democratizado efetivamente no sistema público e privado a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996).

Em 1997, sob a edge da Lei supramencionada, o Ministério da Educação publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, um documento que objetifica normatizar e categorizar o processo de ensino nacional (BRASIL, PCN, 2000, p. 15).

De maneira geral, a Geografia enquanto disciplina nos currículos escolares, sempre foi tratada de forma simplória e condensada, seja pelo método utilizado ou mesmo para não proporcionar a formação crítica do cidadão. Foi somente a partir da década de 1980 que as instituições educacionais começam a levar em consideração os aspectos socioculturais e socioespaciais para suas análises, visando um ensino crítico, criativo e com maior qualidade.