Na Região Amazônica brasileira é perceptível a mudança do clima.
Os eventos extremos, de forte seca, muita chuva e grandes cheias dos rios estão
cada vez mais agressivos provocando relevantes impactos econômicos e as
populações locais têm sido forçadas a encontrar novos meios de sobreviver com
um clima cada vez menos previsível. No Estado de Rondônia, os ribeirinhos das
margens do Rio Madeira, no município de Porto Velho têm sido alguns dos mais
impactados, principalmente nos últimos anos.
Para as pessoas que vivem nessa região, o vai e vem das águas ao
redesenhar as paisagens, ao ditar o ritmo da vida e da economia local, exige
cada vez mais diferentes mecanismos de adaptação ao longo do ano. O período de
chuvas ou forte atividade convectiva na Amazônia é compreendido entre novembro
e março, sendo que o período de seca é entre os meses de maio e setembro. Os
meses de abril e outubro são meses de transição entre um regime e outro
(FIGUEROA, S. N. & NOBRE, C. A, 1990).
O pico mais alto das cheias dos rios se dá entre os meses de
janeiro, fevereiro e março, período no qual os ribeirinhos, moradores nas
terras de várzeas ficam sem qualquer possibilidade de plantar, colher ou obter
fonte de renda, caracterizando um cenário de novos desafios em virtude da
necessidade do deslocamento para outras regiões rurais ou urbanas, tendo que se
adaptar a outras realidades sociocultural, ambiental e principalmente
econômica, uma vez que a sua sobrevivência está alicerçada na pesca, na caça,
no extrativismo e na agricultura.
Diante desse contexto, vários questionamentos podem ser feitos suscitando hipóteses, como as que admitem que os ribeirinhos detêm um vasto conhecimento e percepções sobre as mudanças do clima na região que redefine o espaço e impactam diretamente em seu modo de vida. Há também pesquisadores que afirmam a capacidade histórica que tem essa população no que se refere a adaptação ao meio em que vivem, de forma simples, porém eficaz.
Alguns estudos têm destacado que os indivíduos percebem e adaptam-se a eventos de variabilidade e mudanças climáticas tendo como base em observações pessoais e fatores culturais. Tais trabalhos reforçam a hipótese de que experiências advindas da percepção do clima local podem influenciar não só as crenças acerca do aquecimento global, mas também nas respostas e atitudes dos indivíduos, frente às alterações do clima e os impactos dela decorrentes (WEBER, 2006).
O conceito de ribeirinho aparece pela primeira vez a partir de debates e reflexões de Furtado e Maneschy (2002), docentes do programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará, ao publicarem um artigo em coautoria inédito e intitulado Gens de mer et contraintes sociales: les pêcheurs côtiers de l´etat du Párá, nord du Brésil, em (2002), no qual as autoras aplicaram o conceito em suas realidades de análise, propondo o termo ribeirinho como expressão de um modo de viver dos grupos sociais localizados à margem de mananciais aquáticos, de onde emanam os elementos materiais, imateriais e simbólicos que configuram o modo de vida desses grupos
Para Chaves
(2001) os ribeirinhos são uma referência de população tradicional na Amazônia,
a iniciar pela forma de comunicação, no uso das representações dos lugares e
tempos de suas vidas na relação com a natureza. Desde a relação com a água,
seus sistemas classificatórios da fauna e flora formam um extenso patrimônio
cultural. Para a autora, os agentes sociais identificados como ribeirinhos.
[...] vivem em agrupamentos comunitários com várias famílias, localizados, como
o próprio termo sugere, ao longo dos rios e seus tributários.
Da mesma forma,
se refere a autora ao termo “ribeirinho” como uma denominação geralmente usada
para caracterizar os pequenos produtores que têm nas terras de várzea o seu
espaço social organizado. Diferencia-se do pequeno produtor da terra firme, não
só por ocupar um espaço físico diferente, mas também por sua relação com a
terra e com a água (CHAVES, 1990).
A partir do Decreto nº 6.040, de
7/02/2007, as comunidades tradicionais foram entendidas como grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais. Possuem formas
próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando ainda conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição e não apenas meros transmissores dos modos de vida
na beira do rio (OLIVEIRA, 2009).
Concernente aos conhecimentos
adquiridos por estes povos ao longo dos anos, Boff (2004) exclama: “o
conhecimento tradicional é uma sabedoria feita da observação e da ausculta da
Terra”. Esses ainda são determinantes para a manutenção do equilíbrio existente
entre estas populações e a natureza, já que sua sobrevivência depende da
manutenção dos recursos naturais. Nesse sentido, considera-se que o modus vivendi e a
organização política das comunidades tradicionais ribeirinhas são marcadas e
orientadas por uma identidade pautada nos valores socioculturais e na dinâmica
sócio-histórica da região amazônica.
O ribeirinho tradicional tem na
agricultura de pequena escala, no extrativismo, na pesca e na caça, suas
atividades de subsistência familiar, reguladas pelos ciclos de sazonalidade
(SCHERER, 2005; MURRIETA, 2008). Algumas comunidades ribeirinhas da Amazônia,
ainda têm como característica certo grau de isolamento, e por consequência,
possuem pouca influência política e organização social.
Para todos esses autores e
pesquisadores acima citados, há em comum o fato de que
as populações ribeirinhas da Amazônia apresentam um conjunto de características
próprio, que se distingue das demais populações do meio rural ou urbano, e por
isso merecem o aprofundamento de investigações sobre as mesmas, acreditando ser
possível propor ações e mecanismos que possam orientá-los, quando
necessário a minimizar as consequências das mudanças que se configuram no
espaço onde vivem.
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