terça-feira, 5 de dezembro de 2017

CULTURAS ESCOLARES E LINGUAGENS

A discussão sobre culturas escolares e linguagens, de forma geral nos leva a refletir sobre as particularidades da escola no conjunto de práticas que procura estabelecer continuamente com a sociedade, tanto no contexto local como geral. No entanto, nessa relação intima entre a escola com a sociedade é preciso reconhecer os limites da percepção do lugar central exercito pela escrita na produção do exercício ordinário do fazer da escola, seja como produto das relações pedagógicas, como resultado das práticas administrativas, como efeito da construção dos diversos saberes sobre os alunos, professores ou ainda como derivação de uma pratica escritural escolar.
Assim, para Chartier (1990), todas as práticas escolares são constituídas historicamente, e emergem naturalmente no âmbito da propagação da palavra impressa e manuscrita para uma parcela cada vez mais crescente da população. Da mesma forma as relações pedagógicas constituem-se na forma da oralidade que passa a ser socializada e pouco deixa marcas históricas e são constituídas na interação dos sujeitos com os objetos culturais cotidianamente, ao longo dos tempos, distribuídos na escola.
Ao estabelecer relações ente as praticas escolares e os aspectos da cultura percebemos que a História Cultural pode ser compreendida como um fenômeno que atua na prática historiográfica atual. Nesse contexto é muito difícil configurar um fenômeno cultural simultaneamente à sua ocorrência, mesmo que tais mudanças ocorram no interior da escola. Efetivamente, para Burke (2005), a História Cultural passa pelo campo interdisciplinar estabelecendo correlações ente o local e o momento em que a noção de cultura sofre modificações para oferecer aos historiadores e à sociedade potencial de síntese analítico ou explicativo.
Identificar prioritariamente o modo como em diferentes tempos e espaços uma determinada realidade social é construída, pensada e colocada em pratica pela sociedade é objeto da história cultural. A partir da clareza do seu objeto passa a ser fácil presumir que uma atribuição deste porte supõe a projeção de vários cenários a ser perseguidos. Um desses importantes cenário diz respeito às delimitações, classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo e sua realidade social.
Essas apreensões do mundo e sua realidade social são cenários variáveis em conformidade com as classes sociais e aos meios intelectuais disponíveis no contexto da história. Assim, embora sua projeção seja à universalidade de um diagnóstico imposto na razão, as representações do mundo social são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as imperam. Dessa forma, as percepções do social não são de forma alguma consideradas como discursos neutros. Chartier (1990) lembra que as lutas de representações sociais têm tanta importância quanto às lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou de alguma forma tenta impor a sua concepção de mundo social, seus valores culturais e seus domínios apreendidos.
O contexto das práticas escolares e da cultura, as modalidades do agir e do pensar devem ser sempre remetidas para os laços de interdependência que regulam as relações entre os povos e a sociedade. Essas diversas relações são constantemente transformadas, imposta pelas diferentes situações e de várias maneiras pelas estruturas e apropriação do poder. A noção de apropriação, segundo Chartier (1990), pode ser reformulada e colocada no centro de uma abordagem de história cultural que se prende com práticas diferenciadas. No pensamento de Chartier a história social das interpretações pode ser remetida sobremaneira para as suas determinações fundamentais, que são sociais, institucionais e culturais e inscritas nas práticas específicas e determinantes que as produzem.
Nas questões sobre as culturas escolares e suas linguagens é importante lembrar que tradicionalmente, as nossas escolas têm adotado em seu percurso a língua, no sentido da sua descrição e da sua estrutura, como objeto principal no ensino. Ao longo do tempo e como decorrência das transformações ocorridas na sociedade diversas propostas inovadoras têm surgido no ambiente escolar, visando uma reconstrução da realidade e das possibilidades imposta pelo seu contexto.
 Estas propostas elencam, dentre outras, a leitura e a escrita como atores principais de um modelo revolucionário, que busca evidenciar as necessidades das pessoas com os aspectos sociais do homem diante do mundo que o envolve. Esta é uma proposta que gera inúmeros sentimentos contrários nos corações e nas mentes das pessoas ligadas direta ou indiretamente ao sistema educacional.
Para Kramer (2006), as mudanças e inovações que buscam o aprimoramento e a eficácia do sistema educativo são recentes e, de certa forma, causam impacto por incidirem de frente com os antigos pilares culturais que alicerçam o sistema educacional de forma geral. Até certo ponto parece um aspecto comum essa resistência, afinal toda constituição de novas práticas desconhecidas no ambiente escolar são consideradas inseguras e instáveis até sua total assimilação.
Para Soares (2004) o surgimento de uma nova palavra ou fenômeno cultural está sempre condicionado ao contexto de um novo fenômeno, como é o caso do letramento surgido no Brasil, na década de 1980 em decorrência das altas taxas de repetência dos alunos naquele momento. A partir daí a sociedade passa a tecer reflexões sobre a problemática da alfabetização em contraposição ao analfabetismo e como forma de buscar soluções para a questão do fracasso escolar.
O exposto leva à consonância de que uma definição única para o termo letramento ao longo da história tem sido algo difícil, uma vez que se trata de um conceito amplo e complexo. Conforme Soares (2009, p. 65), as dificuldades e impossibilidades devem-se ao fato de que o letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais. O conceito de letramento envolve, portanto, sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição.
Já para Mortatti, o termo letramento até por ser uma palavra recente, nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm sendo atribuídos ao longo da historia da educação, assim como os objetivos com que é utilizada. Ainda se tratando de relações entre alfabetização e escolarização, Mortatti (2004, p. 107) afirma que somente o fato de ser alfabetizada, não garante que a pessoa seja letrada.

Diante desses conceitos e práticas retratadas no aspecto da cultura que se refletem na linguagem propriamente dita vemos o papel fundamental exercido pela instituição escolar tanto na formação de opinião como no seu poder de transformação da sociedade. Assim, como a cultura, o processo se ensino e aprendizagem, alfabetização e outros temas bastante difundidos no espaço escolar são fenômenos complexos que precisam transpassar o campo do discurso superficial e das circunstâncias momentâneas. Somente após o devido tempo de disseminação e assimilação do seu conceito pela sociedade poderá passar a ser aceito como prática cultural com reflexos na mudança de postura da sociedade.

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